- Dezanove ou vinte anos, no máximo.
Neste momento, e como Villefort, seguindo a Grand- Rue, tivesse chegado à esquina da Rua dos Conseils, um homem que parecia esperar a sua passagem abordou-o. Era o Sr. Morrel.
- Ah, Sr. de Villefort! - exclamou o excelente homem ao ver o substituo. - Ainda bem que o encontro! Imagine que acaba de se cometer o equívoco mais estranho, mais inaudito: prenderam o imediato do meu navio, Edmond Dantès.
- Bem sei - respondeu Villefort - e vou interrogá-lo.
- Oh, senhor - continuou Morrel, levado pela sua amizade para com o jovem -, não conhece o acusado como eu conheço! Imagine o homem mais afável, o mais probo, e quase me atrevo a dizer o homem que melhor sabe do seu ofício de toda a marinha mercante...
Oh, Sr. de Villefort, recomendo-lhe muito sinceramente e de todo o meu coração! Como pudemos ver, Villefort pertencia à classe nobre da cidade e Morrel à classe plebeia. O primeiro era um monárquico ultra e o segundo suspeito de secreto bonapartismo. Villefort olhou desdenhosamente para Morrel e respondeu-lhe com frieza: - Como sabe, senhor, pode-se ser afável na vida privada, probonas relações comerciais e sabedor da sua profissão e nem por isso ser menos um grande culpado, politicamente falando. Sabe-o, não é verdade, senhor? E o magistrado sublinhou as últimas palavras, como se quisesse aplicá-las ao próprio armador, enquanto o seu olhar perscrutador parecia querer penetrar até ao fundo do coração daquele homem que ousava interceder por outro quando devia saber que ele próprionecessitava de indulgência.
Morrel corou, pois não se sentia com a consciência muito tranquila a respeito das suas opiniões políticas. Além disso, a confidência que lhe fizera Dantès acerca da sua conversa com o grande marechal e das poucas palavras que lhe dirigira o imperador ainda lhe perturbava um pouco o espírito. No entanto, acrescentou, em tom do mais profundo interesse:
- Suplico-lhe, Sr. de Villefort, seja justo como deve ser, bom como sempre foi e «restitua-nos» depressa o pobre Dantès! O «restitua-nos» soou revolucionariamente ao ouvido do substituto do procurador régio.
- Eh, eh, restitua-nos!... - disse baixinho. - Esse Dantès será filiado nalguma seita de carbonários para que o seu protetor empregue assim sem pensar a fórmula coletiva? Prenderam-no numa taberna, disse-me, segundo creio, o comissário.
Em numerosa companhia, acrescentou. Deve ser alguma loja.
Depois, em voz alta, respondeu:
- Senhor, pode estar absolutamente tranquilo que não terá recorrido inutilmente à minha justiça se o acusado estiver inocente. Mas se, pelo contrário, for culpado...