- Bom, deve ser isso - sugeriu Monte-Cristo. - O Sr. Noirtier e o Sr. de Epinay devem ter-se degladiado no campo da política. O Sr. General de Epinay, embora tivesse servido no tempo de Napoleão, não guardaria no fundo do coração sentimentos monárquicos? Não foi o mesmo que assassinaram numa noite, à saída de um clube napoleónico, onde o tinham atraído na esperança de encontrar nele um adepto?
Villefort fitou o conde quase com terror:
- Engano-me? - perguntou Monte-Cristo.
- Não, senhor - respondeu a Sr.ª de Villefort. - Pelo contrário, foi mesmo assim que as coisas se passaram. E foi também devido ao que acaba de dizer que, para acabar com velhos ódios, o Sr. de Villefort teve a ideia de levar a amarem-se dois filhos cujos pais se tinham odiado.
- Uma ideia sublime! - exclamou Monte-Cristo. - Uma ideia cheia de caridade e que o mundo devia aplaudir. Com efeito, seria bonito ver Mademoiselle Noirtier de Villefort chamar-se Sr.ª Franz de Epinay.
Villefort estremeceu e fitou Monte-Cristo como se quisesse ler-lhe no fundo do coração a intenção que lhe ditara as palavras que acabava de proferir.
Mas o conde conservou o benévolo sorriso estereotipado que tinha nos lábios e ainda desta vez, apesar da acuidade do seu olhar, o procurador régio não viu para lá da epiderme.
- Por isso, - prosseguiu Villefort -, embora seja uma grande perda para Valentine ficar sem a fortuna do avô, não creio que o casamento fique sem eleito. O Sr. de Epinay não recuará diante desse contratempo pecuniário, estou certo; verá que valho mais do que esse dinheiro, uma vez que o sacrifico ao desejo de lhe manter a minha palavra. Além disso, calculará que Valentine é rica por herança da mãe, administrada pelo Sr. e pela Sr.ª de Saint-Méran, seus avós maternos, que a amam ternamente.
- E que merecem bem que os amem e os tratem como Valentine tem tratado o Sr. Noirtier - disse a Sr.ª de Villefort. - De resto, devem vir a Paris no máximo dentro de um mês e, depois de tal afronta, Valentine será dispensada de se enterrar, como tem feito até aqui, junto do Sr. Noirtier.
O conde escutava com complacência a voz dissonante daqueles amores próprios feridos e daqueles interesses prejudicados.
- Parece-me, no entanto - disse Monte-Cristo, após um instante de silêncio -, e peço-lhes antecipadamente perdão do que vou dizer; parece-me que o Sr. Noirtier deserda Mademoiselle de Villefort por a considerar culpada de querer casar com um rapaz cujo pai detestou, não tem a mesma razão de queixa da parte do querido Édouard...