Então seria forçado, para me justificar, a dizer que foras tu quem me dera os dez napoleões... Daí, informação, inquérito. Descobrem que deixei Toulon sem pedir licença e reconduzem-me de brigada em brigada até às margens do Mediterrâneo. Volto a ser pura e simplesmente o n.º 106 e adeus ao meu sonho de parecer um padeiro reformado! Nem por sombras, meu filho. Prefiro ficar respeitavelmente na capital.
Andrea franziu o sobrolho. Era, como ele próprio se gabara, tão casmurro como o filho putativo do Sr. Major Cavalcanti.
Deteve-se um instante, deitou uma rápida olhadela à sua volta, e quando o seu olhar acabava de descrever o círculo investigador a sua mão desceu inocentemente à algibeira das calças, onde começou a acariciar o guarda-mato de uma pistola de bolso.
Entretanto, porém, Caderousse, que não perdia de vista o companheiro, passava a mão por detrás das costas e abria muito devagarinho uma grande navalha espanhola, que trazia consigo para o que desse e viesse.
Como se vê, os dois amigos eram dignos de se compreender e compreenderam-se. A mão de Andrea saiu inofensivamente da algibeira e subiu até ao seu bigode ruivo, que afagou durante algum tempo.
- Vais então ser feliz, meu bom Caderousse? - perguntou.
- Farei todo o possível para isso - respondeu o estalajadeiro da Ponte do Gard, guardando a navalha na manga.
- Vamos então, entremos em Paris. Mas como vais fazer para passar a Barreira sem despertar suspeitas? Parece-me que com essa fatiota te arriscas ainda mais de carruagem do que a pé
- Espera, já vais ver... - disse Caderousse.
Pegou no chapéu de Andrea e no capote de grande cabeção que o groom exilado do tílburi deixara no seu lugar e pô-lo pelas costas, depois do que tomou a atitude impassível de um criado de casa rica cujo amo conduz pessoalmente.
- E eu, vou ficar em cabelo? - protestou Andrea.
- Ora! Está tanto vento que a brisa pode muito bem ter-te levado o chapéu...
- Vamos então e acabemos com isto - resignou-se Andrea.
- Que te detém? - perguntou Caderousse. - Não sou eu, espero...
- Caluda! - recomendou Cavalcanti.
Atravessaram a Barreira sem contratempos.
Na primeira rua transversal, Andrea parou o cavalo e Caderousse apeou-se.
- Eh! - gritou Andrea. - Então e o capote do meu criado e o meu chapéu?
- Decerto não queres que corra o risco de me constipar... - redarguiu Caderousse.
- Mas eu?
- Tu és novo, ao passo que eu começo a estar velho. Até mais ver, Benedetto! E entrou na ruela, onde desapareceu.
- Infelizmente - disse Andrea, soltando um suspiro -, não se pode ser completamente feliz neste mundo!