O Conde de Monte Cristo - Cap. 90: O duelo Pág. 856 / 1080

E à força de exagerar assim antecipadamente as desventuras do dia seguinte às quais se condenara prometendo a Mercédès deixar-lhe viver o filho, o conde acabou por dizer:

- Tolice, tolice, tolice! Que raio de generosidade, colocar-me como um alvo inerte na mira da pistola desse rapaz! Ele nunca acreditará que a minha morte é um suicídio, e no entanto isso interessa à honra da minha memória... (Não se trata de vaidade, pois não, meu Deus? Trata-se, sim, de um justo orgulho e mais nada.) Interessa à honra da minha memória que o mundo saiba que eu próprio consenti, por minha vontade, de meu livre arbítrio, em deter o meu braço já erguido para ferir, e que com esse braço, tão poderosamente armado contra os outros, me feri a mim mesmo. Isso é necessário e fá-lo-ei

E pegando numa pena tirou um papel da estante secreta da sua escrivaninha e escreveu no fundo desse papel, que não era outra coisa senão o seu testamento, feito depois da sua chegada a Paris, uma espécie de codicilo em que explicava a sua morte às pessoas menos perspicazes.

- Faço isto, meu Deus - disse com os olhos erguidos ao céu -, tanto para vossa honra como para minha. Há dez anos que me considero, ó meu Deus, o enviado da vossa vingança, e não quero que outros miseráveis como o Morcerf, não quero que um Danglars, um Villefort, e enfim que o próprio Morcerf imaginem que o acaso os desembaraçou do seu inimigo. Quero que saibam, pelo contrário, que a Providência, que já decretara a sua punição, foi corrigida unicamente pelo poder da minha vontade; que o castigo evitado neste mundo os espera no outro e que só trocaram o tempo pela eternidade.

Enquanto se debatia entre estas sombrias incertezas, sonhos maus do homem despertado pela dor, o dia veio clarear os vidros e iluminar sob as suas mãos o desbotado papel azul em que acabava de escrever a suprema justificação da Providência.

Eram cinco horas da manhã

De súbito, um ligeiro ruído chegou-lhe aos ouvidos.

Monte-Cristo julgou ter ouvido qualquer coisa como um suspiro abafado. Virou a cabeça, olhou à sua volta e não viu ninguém.

Apenas o ruído se repetiu com suficiente nitidez para que à dúvida sucedesse a certeza.

Então o conde levantou-se, abriu suavemente a porta da sala e viu numa poltrona, com os braços pendentes e o belo rosto pálido inclinado para trás, a jovem Haydée, que se colocara atravessada na porta para que ele não pudesse sair sem a ver, mas a quem o sono, tão poderoso contra a juventude, surpreendera depois da fadiga de tão longa vigília.

O ruído que a porta fez ao abrir-se não despertou Haydée.

Monte-Cristo olhou-a com um olhar cheio de ternura e remorso.





Os capítulos deste livro

Marselha - A Chegada 1 O pai e o filho 8 Os Catalães 14 A Conspiração 23 O banquete de noivado 28 O substituto do Procurador Régio 38 O interrogatório 47 O Castelo de If 57 A festa de noivado 66 Os Cem Dias 89 O número 34 e o número 27 106 Um sábio italiano 120 A cela do abade 128 O Tesouro 143 O terceiro ataque 153 O cemitério do Castelo de If 162 A Ilha de Tiboulen 167 Os contrabandistas 178 A ilha de Monte-Cristo 185 Deslumbramento 192 O desconhecido 200 A Estalagem da Ponte do Gard 206 O relato 217 Os registos das prisões 228 Acasa Morrel 233 O 5 de Stembro 244 Itália - Simbad, o marinheiro 257 Despertar 278 Bandidos Romanos 283 Aparição 309 A Mazzolata 327 O Carnaval de Roma 340 As Catacumbas de São Sebastião 356 O encontro 369 Os convivas 375 O almoço 392 A apresentação 403 O Sr. Bertuccio 415 A Casa de Auteuil 419 A vendetta 425 A chuva de sangue 444 O crédito ilimitado 454 A parelha pigarça 464 Ideologia 474 Haydée 484 A família Morrel 488 Píramo e Tisbe 496 Toxicologia 505 Roberto, o diabo 519 A alta e a baixa 531 O major Cavalcanti 540 Andrea Cavalcanti 548 O campo de Luzerna 557 O Sr. Noirtier de Villefort 566 O testamento 573 O telégrafo 580 Meios de livrar um jardineiro dos ratos-dos-pomares que lhe comem os pêssegos 588 Os fantasmas 596 O jantar 604 O mendigo 613 Cena conjugal 620 Projetos de casamento 629 No gabinete do Procurador Régio 637 Um baile de Verão 647 As informações 653 O baile 661 O pão e o sal 668 A Sra. de Saint-Méran 672 A promessa 682 O jazigo da família Villefort 705 A ata da sessão 713 Os progressos de Cavalcanti filho 723 Haydée 732 Escrevem-nos de Janina 748 A limonada 762 A acusação 771 O quarto do padeiro reformado 776 O assalto 790 A mão de Deus 801 Beauchamp 806 A viagem 812 O julgamento 822 A provocação 834 O insulto 840 A Noite 848 O duelo 855 A mãe e o filho 865 O suicídio 871 Valentine 879 A confissão 885 O pai e a filha 895 O contrato 903 A estrada da Bélgica 912 A estalagem do sino e da garrafa 917 A lei 928 A aparição 937 Locusta 943 Valentine 948 Maximilien 953 A assinatura de Danglars 961 O Cemitério do Père-lachaise 970 A partilha 981 O covil dos leões 994 O juiz 1001 No tribunal 1009 O libelo acusatório 1014 Expiação 1021 A partida 1028 O passado 1039 Peppino 1049 A ementa de Luigi Vampa 1058 O Perdão 1064 O 5 de Outubro 1069