No momento em que a Sr.ª Danglars, de vestido preto e de véu, subia a escada que conduzia ao apartamento de Debray, apesar da certeza que lhe dera o porteiro de que o jovem se não encontrava em casa, Debray procurava repelir as insinuações de um amigo que tentava provar-lhe que depois do escândalo terrível que acabava de se verificar era seu dever de amigo da casa casar com Mademoiselle Eugénie Danglars e os seus dois milhões.
Debray defendia-se como um homem que não deseja outra coisa senão ser vencido; porque tal ideia lhe acudira por si mesma com frequência ao espírito. Depois, como conhecia Eugénie e o seu temperamento independente e altivo, retomava de vez em quando uma atitude completamente defensiva, dizendo que tal união era impossível, embora intimamente se deixasse lisonjear pela sua eventualidade e cedesse a um mau pensamento, que, no dizer de todos os moralistas, preocupa incessantemente o homem mais probo e puro e vela no fundo da sua alma como Satanás vela atrás da cruz. O chá, o jogo e a conversa, interessante como se vê, uma vez que se discutiam tão graves interesses, duraram até à uma hora da manhã.
Entretanto, a Sr.ª Danglars, recebida pelo criado de quarto de Lucien, esperava, velada e palpitante, na salinha verde, entre dois açafates de flores que ela própria mandara de manhã e que Debray, deve-se dizê-lo, dispusera, arranjara e cortara pessoalmente com um cuidado que fez perdoar a sua ausência à pobre mulher.
Às onze horas e quarenta minutos a Sr.ª Danglars, farta de esperar inutilmente, voltou a meter-se num fiacre e regressou a casa.
As mulheres de certa classe têm isso em comum com as costureirinhas galantes: não recolhem habitualmente depois da meia-noite. A baronesa entrou no palácio com tanta precaução como Eugénie tomara para sair e subiu ligeiramente, com o coração apertado, a escada que levava aos seus aposentos, contíguos, como se sabe, aos de Eugénie.
Temia tanto provocar qualquer comentário e acreditava tão firmemente - pobre mulher respeitável, pelo menos nesse ponto - na inocência da filha e na sua fidelidade ao lar paterno!...
Chegada aos seus aposentos, escutou à porta de Eugénie e depois, não ouvindo nenhum ruído, tentou entrar; mas os fechos estavam corridos.
A Sr.ª Danglars julgou que Eugénie, cansada das terríveis emoções da noite, se metera na cama e dormia.
No entanto, chamou a criada de quarto e interrogou-a.
- Mademoiselle Eugénie - respondeu a criada - regressou aos seus aposentos com Mademoiselle de Armilly, tomaram chá juntase depois mandaram-me embora dizendo que não precisavam mais de mim.
Desde então a criada de quarto estivera na copa e, como toda agente, julgava as duas raparigas nos aposentos de Eugénie.