A Sr.ª Danglars deitou-se sem a sombra de uma suspeita; mas, tranquila a respeito das pessoas, o seu espírito deteve-se nos acontecimentos.
À medida que as ideias se lhe esclareciam na cabeça, as proporções da cena do contrato aumentavam: já se não tratava de um escândalo, mas sim de uma indecência, nem de uma vergonha, mas sim de uma ignomínia.
Mal-grado seu, a baronesa lembrou-se então de que não tivera compaixão da pobre Mercédès, ferida recentemente, no marido e no filho, por uma desgraça também grande.
- Eugénie - disse para consigo - está perdida e nós também. O caso, tal como vai ser comentado, cobre-nos de opróbrio, porque numa sociedade como a nossa certos ridículos são chagas vivas, sangrentas, incuráveis. Ainda bem que Deus dotou Eugénie daquele temperamento estranho que tantas vezes me tem assustado! E o seu olhar reconhecido ergueu-se ao céu, cuja misteriosa providência dispõe tudo antecipadamente, conforme os acontecimentos se devem suceder, e de um defeito, de um vício mesmo, faz às vezes uma virtude.
Depois o seu pensamento transpôs o espaço, como fazem, abrindo as asas, as aves dos abismos, e deteve-se em Cavalcanti.
- O tal Andrea era um miserável, um ladrão, um assassino; e no entanto possuía maneiras que indicavam uma semieducação, senão uma educação completa. Ainda por cima, apresentou-se na sociedade aparentando possuir grande fortuna e com o apoio de nomes respeitáveis...
Como ver claro naquele dédalo? A quem se dirigir para sair daquela cruel situação?
Debray, para quem correra ao primeiro impulso da mulher que procura auxílio no homem que ama e que por vezes a perde, Debray só poderia dar-lhe um conselho. Era a alguém mais poderoso que devia recorrer.
A baronesa pensou então no Sr. de Villefort.
Fora o Sr. de Villefort que decidira prender Cavalcanti; fora o Sr. de Villefort que, sem compaixão, levara a desventura ao seio da sua família como se fosse uma família estranha.
Mas não; pensando melhor, o procurador régio não era um homem sem compaixão, era um magistrado escravo do seu dever, um amigo leal e firme que brutalmente, mas com mão segura, escalpelizara a corrupção. Não era um carrasco, era um cirurgião, e um cirurgião que quisera isolar aos olhos do mundo a honra dos Danglars da ignomínia daquele rapaz perdido que tinham apresentado à sociedade como seu futuro genro.
Uma vez que o Sr. de Villefort, amigo da família Danglars, procedia assim, já não havia motivo para supor que o procurador régio soubera de alguma coisa antecipadamente e se prestara a qualquer manejo de Andrea.