O Conde de Monte Cristo - Cap. 102: Valentine Pág. 949 / 1080

Aquele braço, desde o ombro até ao sangradouro, parecia modulado pelo braço de uma das Graças de Germain Pilon: mas o antebraço estava ligeiramente deformado por uma crispação, e o punho, de uma forma tão pura, apoiava-se no mogno, um pouco rígido e com os dedos afastados.

A raiz das unhas apresentava-se azulada.

Para a Sr.ª de Villefort não havia dúvida: tudo acabara, a obra terrível, a última de que se encarregara, estava enfim consumada.

A envenenadora já não tinha nada a fazer naquele quarto.

Recuou portanto com tais precauções que era visível recear o ruído dos seus pés no tapete, mas mesmo recuando conservava ainda o cortinado da cama levantado, presa ao espectáculo da morte, que contém em si uma atracção irresistível enquanto a morte não é decomposição, mas apenas imobilidade, enquanto permanece mistério e não inspira ainda repugnância.

Os minutos passavam. A Sr.ª de Villefort, não podia largar o cortinado, que mantinha suspenso como uma mortalha por cima da cabeça de Valentine. Pagou o seu tributo ao devaneio; o devaneio do crime deve ser o remorso.

Naquele momento, as crepitações da lamparina aumentaram.

Ao ouvir tal ruído, a Sr.ª de Villefort estremeceu e deixou cair o cortinado.

No mesmo instante a lamparina apagou-se e o quarto mergulhou numa obscuridade assustadora.

No meio dessa obscuridade, o relógio deu quatro e meia.

Apavorada com todas estas sucessivas comoções, a envenenadora alcançou a porta às apalpadelas e regressou ao seu quarto com o suor da angústia na testa.

A obscuridade durou ainda mais duas horas.

Depois, pouco a pouco, uma claridade triste invadiu o quarto através das persianas. Em seguida, também pouco a pouco, a claridade aumentou e deu cor e forma aos objectos e aos corpos.

Foi neste momento que a tosse da enfermeira soou na escada e a mulher entrou no quarto de Valentine com uma chávena na mão.

Para um pai, para um apaixonado, o primeiro olhar seria decisivo: Valentine estava morta; para aquela mercenária, Valentine estava apenas a dormir.

- Bom - disse, aproximando-se da mesa-de-cabeceira -, bebeu uma parte da poção, pois o copo está dois terços vazio.

Em seguida dirigiu-se para a chaminé, acendeu o lume, instalou-se na sua poltrona e, embora tivesse acabado de se levantar, aproveitou o sono de Valentine para dormir mais uns instantes.

O relógio acordou-a ao dar oito horas.

Então, surpreendida com o sono obstinado em que permanecia a jovem, e assustada com aquele braço pendente fora da cama que a dorminhoca ainda não metera debaixo da roupa, avançou para acama e só então reparou naqueles lábios frios e naquele peito gelado.





Os capítulos deste livro

Marselha - A Chegada 1 O pai e o filho 8 Os Catalães 14 A Conspiração 23 O banquete de noivado 28 O substituto do Procurador Régio 38 O interrogatório 47 O Castelo de If 57 A festa de noivado 66 Os Cem Dias 89 O número 34 e o número 27 106 Um sábio italiano 120 A cela do abade 128 O Tesouro 143 O terceiro ataque 153 O cemitério do Castelo de If 162 A Ilha de Tiboulen 167 Os contrabandistas 178 A ilha de Monte-Cristo 185 Deslumbramento 192 O desconhecido 200 A Estalagem da Ponte do Gard 206 O relato 217 Os registos das prisões 228 Acasa Morrel 233 O 5 de Stembro 244 Itália - Simbad, o marinheiro 257 Despertar 278 Bandidos Romanos 283 Aparição 309 A Mazzolata 327 O Carnaval de Roma 340 As Catacumbas de São Sebastião 356 O encontro 369 Os convivas 375 O almoço 392 A apresentação 403 O Sr. Bertuccio 415 A Casa de Auteuil 419 A vendetta 425 A chuva de sangue 444 O crédito ilimitado 454 A parelha pigarça 464 Ideologia 474 Haydée 484 A família Morrel 488 Píramo e Tisbe 496 Toxicologia 505 Roberto, o diabo 519 A alta e a baixa 531 O major Cavalcanti 540 Andrea Cavalcanti 548 O campo de Luzerna 557 O Sr. Noirtier de Villefort 566 O testamento 573 O telégrafo 580 Meios de livrar um jardineiro dos ratos-dos-pomares que lhe comem os pêssegos 588 Os fantasmas 596 O jantar 604 O mendigo 613 Cena conjugal 620 Projetos de casamento 629 No gabinete do Procurador Régio 637 Um baile de Verão 647 As informações 653 O baile 661 O pão e o sal 668 A Sra. de Saint-Méran 672 A promessa 682 O jazigo da família Villefort 705 A ata da sessão 713 Os progressos de Cavalcanti filho 723 Haydée 732 Escrevem-nos de Janina 748 A limonada 762 A acusação 771 O quarto do padeiro reformado 776 O assalto 790 A mão de Deus 801 Beauchamp 806 A viagem 812 O julgamento 822 A provocação 834 O insulto 840 A Noite 848 O duelo 855 A mãe e o filho 865 O suicídio 871 Valentine 879 A confissão 885 O pai e a filha 895 O contrato 903 A estrada da Bélgica 912 A estalagem do sino e da garrafa 917 A lei 928 A aparição 937 Locusta 943 Valentine 948 Maximilien 953 A assinatura de Danglars 961 O Cemitério do Père-lachaise 970 A partilha 981 O covil dos leões 994 O juiz 1001 No tribunal 1009 O libelo acusatório 1014 Expiação 1021 A partida 1028 O passado 1039 Peppino 1049 A ementa de Luigi Vampa 1058 O Perdão 1064 O 5 de Outubro 1069