Até ali, a Sr.ª Danglars talvez esperasse ainda alguma coisa; mas quando viu o gesto indiferente que acabava de escapar a Debray e o olhar oblíquo com que esse gesto fora acompanhado, assim como a reverência profunda e o silêncio significativo que se seguiram, ergueu a cabeça, abriu a porta e, sem cólera, sem nervosismo, mas também sem hesitação, dirigiu-se para a escada, desdenhando até honrar com um derradeiro cumprimento àquele que a deixava partir daquele modo.
- Ora, ora! - exclamou Debray depois dela sair. - Apesar de poder fazer belos projectos, ficará no seu palácio, lerá romances e jogará o seu lansquené, visto não poder jogar na bolsa.
Em seguida pegou na agenda e riscou cuidadosamente as importâncias que acabava de pagar.
- Resta-me um milhão e sessenta mil francos... Que pouca sorte Mademoiselle de Villefort ter morrido! Era a mulher que me convinha sob todos os aspectos para casar com ela.
E, fleumaticamente, conforme era seu hábito, esperou que a Sr.ª Danglars tivesse saído há vinte minutos para se decidir a sair por sua vez.
Durante esses vinte minutos, Debray fez contas, com o relógio pousado a seu lado.
Essa personagem diabólica que qualquer imaginação aventurosa criaria com mais ou menos felicidade se Le Sage lhe não tivesse adquirido a prioridade na sua obra-prima; esse Asmodeu que levantava os telhados das casas para as ver por dentro, teria gozado um singular espectáculo se erguesse, no momento em que Debray fazia as suas contas, o telhado do prediozito da Rua Saint-Germain-des-Prés.
Por cima do quarto em que Debray acabava de dividir com a Sr.ª Danglars dois milhões e meio ficava outro também habitado por pessoas nossas conhecidas, as quais desempenharam papel muito importante nos acontecimentos que contámos até aqui e que por isso reencontramos com algum interesse.
Nesse quarto residiam Mercédès e Albert.
Mercédès mudara muito havia alguns dias. Não porque, mesmo no tempo da sua maior riqueza, alguma vez tivesse exibido o fausto orgulhoso que corta visivelmente com todas as condições e faz com que se deixe de reconhecer imediatamente a mulher quando nos surge mais simplesmente vestida; nem porque tivesse caído nesse estado de depressão em que somos obrigados a envergar a libré da miséria. Não, Mercédès estava mudada porque os seus olhos já não brilhavam, porque a sua boca já não sorria, porque finalmente um perpétuo enleio lhe detinha nos lábios a palavra pronta que denotava outrora um espírito sempre atento.
Não fora a pobreza que secara o espírito de Mercédès, nem era a falta de coragem que lhe tornava pesada a pobreza.