— Ela o que é, sabe que mais? é uma desavergonhada, e tudo que aqui está é meu, foi comprado com o meu dinheiro!…
— Seria — disse Tomásia algum tanto enfadada — seria, mas eu não tenho nada com isso, minha senhora. A Sra. D. Ifigénia Ponce de Leão entregou-me a sua casa, quando foi viajar: hei-de entregar-lha como a recebi; e V. Exa. lá se avenha com seu marido, quando ele voltar.
D. Teodora Figueiroa, empuxada por impulsos dos nervos, corria de ângulo para ângulo o salão. De uma vez, olhou por entre duas portadas mal fechadas para o interior de outra sala, e exclamou:
— Olhe, meu tio, olhe que riqueza aqui vai!
Deu um pontapé nas portadas, e entrou, bradando:
— O meu dinheirinho! O meu dinheirinho!…
Era ali o sumptuoso gabinete de leitura e música de D. Ifigénia. Ornavam as paredes dois retratos a corpo inteiro: Calisto Elói com a farda de fidalgo cavaleiro, e Ifigénia trajada de amazona…
— Olha o meu marido! — clamou Teodora. — Aquela é a tal mulher? — perguntou à espantada Tomásia.
— Aquela é a Sra. D. Ifigénia.
— Vou rasgar aquele diabo! — berrou a morgada, arrastando uma cadeira para trepar.
— Isso alto lá, minha senhora! — acudiu irada a despenseira. — V. Exa. não estraga coisa nenhuma. E, se continua nesse disparate, eu mando chamar o cabo da rua para a pôr lá fora.
— Pôr-me a mim lá fora?! — bradou Teodora.
— Sim, minha senhora, que isto não são termos. Nem me parece senhora! Cá em Lisboa acções destas só as praticam as peixeiras.