O Conde de Monte Cristo - Cap. 113: O passado Pág. 1045 / 1080

- Então, senhor - disse o guia -, já que é tão generoso, merece que lhe ofereça qualquer coisa.

- Que tem para me oferecer, meu amigo? Conchas, objectos de palha? Obrigado.

- Não, senhor; não, senhor! Qualquer coisa que se refere à história que lhe contei há bocado.

- Deveras?! - exclamou o conde, entusiasmado. - O quê?

- Ouça, vou contar-lhe o que aconteceu - disse o porteiro. - Pensei cá para comigo: «Encontra-se sempre qualquer coisa numa cela onde um prisioneiro permaneceu quinze anos... E pus-me a sondar as paredes.

- Ah! - exclamou Monte-Cristo. Lembrando-se do duplo esconderijo do abade. - Com efeito.

- À força de procurar - continuou o porteiro -, descobri que a parede soava a oco à cabeceira da cama e na lareira da chaminé.

- Claro, claro - disse Monte-Cristo.

- Levantei as pedras e encontrei...

- Uma escada de corda? Ferramentas? - antecipou-se o conde.

- Como sabe? - perguntou o porteiro, surpreendido.

- Não sei, mas calculo - respondeu o conde. - Habitualmente é esse género de coisas que se encontra nos esconderijos dos prisioneiros.

- Exacto, senhor, uma escada de corda e ferramentas - confirmou o guia.

- E ainda as tem? - perguntou Monte-Cristo.

- Não, senhor. Vendi esses objectos, que eram muito curiosos, a visitantes. Mas resta-me outra coisa...

- O quê? - perguntou o conde com impaciência.

- Resta-me uma espécie de livro escrito em tiras de pano.

- Oh, ainda tem esse livro?! - exclamou Monte-Cristo.

- Não sei se é um livro - respondeu o porteiro. - Mas ainda o tenho, como lhe disse.

- Vá buscá-lo, meu amigo, vá - pediu o conde. - E se for o que presumo, não se arrependerá...

- Vou num pé e venho noutro, senhor.

E o guia saiu.

Então, Monte-Cristo foi ajoelhar-se piedosamente diante dos restos daquela cama de que a morte fizera para ele um altar.

- Ó meu segundo pai - disse -, tu que me deste a liberdade, a ciência e a riqueza; tu que, a exemplo das criaturas de essência superior à nossa, conhecias a ciência do bem e do mal, se no fundo da sepultura resta alguma coisa de nós que estremeça ao ouvir a voz daqueles que ficaram na Terra; se na transfiguração que sofre o cadáver alguma coisa animada paira nos lugares onde muito amamos e sofremos, nobre coração, espírito supremo, alma profunda, por uma palavra, por um sinal, por uma revelação qualquer, conjuro-te, em nome do amor paternal que me concedias e do respeito filial que te dedicava, a tirar-me este resto de dúvida que, a não se transformar em convicção, se transformará em remorso.

O conde baixou a cabeça e juntou as mãos.

- Veja, senhor! - disse uma voz atrás dele.





Os capítulos deste livro

Marselha - A Chegada 1 O pai e o filho 8 Os Catalães 14 A Conspiração 23 O banquete de noivado 28 O substituto do Procurador Régio 38 O interrogatório 47 O Castelo de If 57 A festa de noivado 66 Os Cem Dias 89 O número 34 e o número 27 106 Um sábio italiano 120 A cela do abade 128 O Tesouro 143 O terceiro ataque 153 O cemitério do Castelo de If 162 A Ilha de Tiboulen 167 Os contrabandistas 178 A ilha de Monte-Cristo 185 Deslumbramento 192 O desconhecido 200 A Estalagem da Ponte do Gard 206 O relato 217 Os registos das prisões 228 Acasa Morrel 233 O 5 de Stembro 244 Itália - Simbad, o marinheiro 257 Despertar 278 Bandidos Romanos 283 Aparição 309 A Mazzolata 327 O Carnaval de Roma 340 As Catacumbas de São Sebastião 356 O encontro 369 Os convivas 375 O almoço 392 A apresentação 403 O Sr. Bertuccio 415 A Casa de Auteuil 419 A vendetta 425 A chuva de sangue 444 O crédito ilimitado 454 A parelha pigarça 464 Ideologia 474 Haydée 484 A família Morrel 488 Píramo e Tisbe 496 Toxicologia 505 Roberto, o diabo 519 A alta e a baixa 531 O major Cavalcanti 540 Andrea Cavalcanti 548 O campo de Luzerna 557 O Sr. Noirtier de Villefort 566 O testamento 573 O telégrafo 580 Meios de livrar um jardineiro dos ratos-dos-pomares que lhe comem os pêssegos 588 Os fantasmas 596 O jantar 604 O mendigo 613 Cena conjugal 620 Projetos de casamento 629 No gabinete do Procurador Régio 637 Um baile de Verão 647 As informações 653 O baile 661 O pão e o sal 668 A Sra. de Saint-Méran 672 A promessa 682 O jazigo da família Villefort 705 A ata da sessão 713 Os progressos de Cavalcanti filho 723 Haydée 732 Escrevem-nos de Janina 748 A limonada 762 A acusação 771 O quarto do padeiro reformado 776 O assalto 790 A mão de Deus 801 Beauchamp 806 A viagem 812 O julgamento 822 A provocação 834 O insulto 840 A Noite 848 O duelo 855 A mãe e o filho 865 O suicídio 871 Valentine 879 A confissão 885 O pai e a filha 895 O contrato 903 A estrada da Bélgica 912 A estalagem do sino e da garrafa 917 A lei 928 A aparição 937 Locusta 943 Valentine 948 Maximilien 953 A assinatura de Danglars 961 O Cemitério do Père-lachaise 970 A partilha 981 O covil dos leões 994 O juiz 1001 No tribunal 1009 O libelo acusatório 1014 Expiação 1021 A partida 1028 O passado 1039 Peppino 1049 A ementa de Luigi Vampa 1058 O Perdão 1064 O 5 de Outubro 1069