Tive um momento de esperança depois de fazer estes cálculos... Não contava com a fome nem com a infidelidade!
E um riso amargo saiu da boca do conde. Acabava de ver, como num sonho, o pai a ser conduzido à sepultura... E Mercédès dirigindo-se para o altar!
No outro lanço da muralha deu com os olhos numa inscrição. Ainda se destacava, a branco, na parede esverdeada: «meu deus, conserva-me a memória!»
- Oh, sim, era esta a minha única prece nos últimos tempos! - exclamou. - Já não pedia a liberdade, pedia a memória, receava enlouquecer e esquecer. Meu Deus, conservaste-me a memória e lembrei-me. Obrigado, obrigado, meu Deus!
Neste momento a luz do archote reflectiu-se nas paredes; era o guia que descia.
Monte-Cristo foi ao seu encontro.
- Siga-me - disse o homem.
E sem necessitar de vir à superfície, fê-lo seguir por um corredor subterrâneo que o conduziu a outra entrada.
Também ali Monte-Cristo foi assaltado por um mundo de pensamentos.
A primeira coisa que lhe saltou à vista foi o meridiano traçado na muralha, com o auxílio do qual o abade Faria contava as horas; depois os restos da cama em que o pobre prisioneiro morrera.
Ao ver isto, em vez das angústias que o conde experimentara na sua cela, um sentimento suave e terno, um sentimento de reconhecimento, encheu-lhe o coração e duas lágrimas rolaram-lhe dos olhos.
- Era aqui que estava o abade louco - informou o guia. - Era por ali que o rapaz vinha ter com ele - e mostrou a Monte-Cristo a entrada da galeria, que daquele lado ficara aberta. - Pela cor da pedra - continuou - um sábio descobriu que devia haver mais ou menos dez anos que os dois prisioneiros comunicavam um com o outro. Pobres homens, muito se devem ter aborrecido durante esses dez anos!
Dantès tirou alguns luíses da algibeira e estendeu a mão para o homem que pela segunda vez o lamentava sem o conhecer.
O porteiro aceitou-os, julgando receber algumas moedas de pouco valor mas à luz do archote verificou que o visitante lhe dera muito dinheiro.
- Senhor - disse-lhe -, deve-se ter enganado...
- Como assim?
- Deu-me moedas de ouro.
- Bem sei
- Sabe?!
- Sim.
- Era sua intenção dar-me este ouro?
- Era.
- E posso guardá-lo com a consciência tranquila?
- Pode.
O porteiro olhou atónito para Monte-Cristo.
- E honestidade - acrescentou o conde, como Hamlet.
- Senhor -tornou o porteiro, que não ousava acreditar na sua sorte -, senhor, não compreendo a sua generosidade...
- É fácil de compreender, meu amigo - redarguiu o conde. – Fui marinheiro e a sua história comoveu-me mais do que qualquer outra.