O Conde de Monte Cristo - Cap. 15: O número 34 e o número 27 Pág. 109 / 1080

Não tardava que, acompanhado do barulho medonho das vagas, o aspecto dos rochedos cortantes me anunciasse a morte, e a morte aterrorizava-me. Empregava todos os esforços para lhe escapar e reunia todas as forças do homem e toda a inteligência do marinheiro para lutar com Deus!... Porque então era feliz, porque voltar à vida era voltar à felicidade, porque não chamara aquela morte, não a escolhera, porque, enfim, me parecia duro dormir naquele leito de algas e seixos, porque me indignava - eu que me julgava uma criatura feita à imagem de Deus - servir depois da minha morte de pasto aos alcatrazes e aos abutres. Mas hoje o caso é diferente: perdi tudo o que podia fazer-me amar a vida, hoje a morte sorri-me como uma ama à criança que vai embalar. Mas hoje morro como quero, e adormeço exausto e quebrado como adormecia depois de uma daquelas noites de desespero e raiva durante as quais chegava a contar três mil voltas no meu quarto, isto é, trinta mil passos, ou seja cerca de dez léguas.

Desde que este pensamento germinou no espírito do jovem este tornou-se mais tratável, mais sorridente. Aceitou melhor o leito duro e o pão negro, comeu menos, deixou de dormir e achou quase suportável aquele resto de existência que tinha a certeza de abandonar quando lhe apetecesse, como deixamos uma peça de roupa velha.

Havia duas maneiras de morrer. Uma era simples: tratava-se de prender o lenço a um varão da janela e enforcar-se. A outra consistia em fingir comer e deixar-se morrer de fome. A primeira repugnou profundamente a Dantès.

Criara-se no horror aos piratas, gente que se enforca nas vergas dos navios. O enforcamento era portanto para ele uma espécie de suplício infamante que recusava aplicar a si mesmo. Adoptou, pois, a segunda e pô-la em execução naquele próprio dia.

Tinham decorrido cerca de quatro anos nas alternativas que relatámos. Ao fim do segundo, Dantès deixara de contar os dias e recaíra na ignorância do tempo de que outrora o tirara o inspector.

Dantès dissera: «Quero morrer», e escolhera o seu género de morte. Então, encarara-o bem de frente e, com medo de voltar atrás na sua decisão, jurara a si mesmo morrer assim. «Quando me servirem as refeições da manhã e da tarde», pensara, «atirarei a comida pela janela e parecerei que comi.»

Procedeu como prometera a si próprio proceder. Duas vezes por dia, através da aberturazinha gradeada que só lhe permitia distinguir o céu, lançava fora a comida, primeiro alegremente, depois com reflexão e depois com pesar. Precisou de recorrer à lembrança do juramento que fizera a si mesmo para ter a coragem de prosseguir o terrível desígnio.





Os capítulos deste livro

Marselha - A Chegada 1 O pai e o filho 8 Os Catalães 14 A Conspiração 23 O banquete de noivado 28 O substituto do Procurador Régio 38 O interrogatório 47 O Castelo de If 57 A festa de noivado 66 Os Cem Dias 89 O número 34 e o número 27 106 Um sábio italiano 120 A cela do abade 128 O Tesouro 143 O terceiro ataque 153 O cemitério do Castelo de If 162 A Ilha de Tiboulen 167 Os contrabandistas 178 A ilha de Monte-Cristo 185 Deslumbramento 192 O desconhecido 200 A Estalagem da Ponte do Gard 206 O relato 217 Os registos das prisões 228 Acasa Morrel 233 O 5 de Stembro 244 Itália - Simbad, o marinheiro 257 Despertar 278 Bandidos Romanos 283 Aparição 309 A Mazzolata 327 O Carnaval de Roma 340 As Catacumbas de São Sebastião 356 O encontro 369 Os convivas 375 O almoço 392 A apresentação 403 O Sr. Bertuccio 415 A Casa de Auteuil 419 A vendetta 425 A chuva de sangue 444 O crédito ilimitado 454 A parelha pigarça 464 Ideologia 474 Haydée 484 A família Morrel 488 Píramo e Tisbe 496 Toxicologia 505 Roberto, o diabo 519 A alta e a baixa 531 O major Cavalcanti 540 Andrea Cavalcanti 548 O campo de Luzerna 557 O Sr. Noirtier de Villefort 566 O testamento 573 O telégrafo 580 Meios de livrar um jardineiro dos ratos-dos-pomares que lhe comem os pêssegos 588 Os fantasmas 596 O jantar 604 O mendigo 613 Cena conjugal 620 Projetos de casamento 629 No gabinete do Procurador Régio 637 Um baile de Verão 647 As informações 653 O baile 661 O pão e o sal 668 A Sra. de Saint-Méran 672 A promessa 682 O jazigo da família Villefort 705 A ata da sessão 713 Os progressos de Cavalcanti filho 723 Haydée 732 Escrevem-nos de Janina 748 A limonada 762 A acusação 771 O quarto do padeiro reformado 776 O assalto 790 A mão de Deus 801 Beauchamp 806 A viagem 812 O julgamento 822 A provocação 834 O insulto 840 A Noite 848 O duelo 855 A mãe e o filho 865 O suicídio 871 Valentine 879 A confissão 885 O pai e a filha 895 O contrato 903 A estrada da Bélgica 912 A estalagem do sino e da garrafa 917 A lei 928 A aparição 937 Locusta 943 Valentine 948 Maximilien 953 A assinatura de Danglars 961 O Cemitério do Père-lachaise 970 A partilha 981 O covil dos leões 994 O juiz 1001 No tribunal 1009 O libelo acusatório 1014 Expiação 1021 A partida 1028 O passado 1039 Peppino 1049 A ementa de Luigi Vampa 1058 O Perdão 1064 O 5 de Outubro 1069