O Conde de Monte Cristo - Cap. 17: A cela do abade Pág. 131 / 1080

O abade sorriu.

- Pensava em duas coisas, não era o que dizia há pouco?

- Era.

- E deu-me a conhecer a primeira. Qual é a segunda?

- A segunda é que o senhor me contou a sua vida e não sabe nada a respeito da minha.

- A sua vida, rapaz, é muito curta para encerrar acontecimentos de qualquer importância.

- Encerra uma enorme desgraça - declarou Dantès. – Uma desgraça que eu não merecia. E desejaria, para não voltar a blasfemar contra Deus como fiz algumas vezes, poder atribuir aos homens a minha desgraça.

- Diz que está inocente do crime que lhe imputam?

- Completamente inocente, juro sobre a cabeça das duas únicas pessoas que me são queridas: sobre a cabeça de meu pai e sobre a cabeça de Mercédès.

- Vejamos - declarou o abade, fechando o esconderijo e empurrando a cama para o seu lugar -, conte-me a sua história.

Dantès contou então o que chamava a sua história e que se limitava a uma viagem à índia e a duas ou três viagens ao Levante. Finalmente chegou à sua última travessia, à morte do comandante Leclère, ao embrulho entregue por ele para o grande marechal, ao encontro com este, à carta entregue por ele e dirigida ao Sr. Noirtier e finalmente à sua chegada a Marselha, à sua festa de noivado, à sua prisão, o seu interrogatório, à sua detenção provisória no Palácio da Justiça e por último à sua prisão definitiva no Castelo de If.

Chegado a este ponto, Dantès não sabia mais nada, nem mesmo o tempo a que já estava preso.

Terminado o relato, o abade reflectiu profundamente.

- Há - disse ao cabo de um instante - um axioma de direito de uma grande profundidade. Voltando ao que lhe dizia há pouco, amenos que os meus pensamentos provenham de uma organização falseada, à natureza humana repugna o crime. Contudo, a civilização moderna deu-nos necessidades, vícios, apetites fictícios, etc., que por vezes conseguem abafar os nossos bons instintos e conduzir-nos ao mal. Daí esta máxima: «Se quereis descobrir o culpado, começai por procurar aquele a quem o crime cometido possa ser útil!» A quem poderia ser útil o seu desaparecimento?

- A ninguém, meu Deus! Eu era tão insignificante.

- Não responda assim, porque à resposta falta ao mesmo tempo lógica e filosofia. Tudo é relativo, meu caro amigo, desde o rei que incomoda o seu futuro sucessor até ao empregado que incomoda o supranumerário. Se o rei morre, o sucessor herda uma coroa; se o empregado morre, o supranumerário herda mil e duzentas libras de ordenado. As mil e duzentas libras de ordenado são a sua lista civil e são-lhe tão necessárias para viver como os doze milhões de um rei.





Os capítulos deste livro

Marselha - A Chegada 1 O pai e o filho 8 Os Catalães 14 A Conspiração 23 O banquete de noivado 28 O substituto do Procurador Régio 38 O interrogatório 47 O Castelo de If 57 A festa de noivado 66 Os Cem Dias 89 O número 34 e o número 27 106 Um sábio italiano 120 A cela do abade 128 O Tesouro 143 O terceiro ataque 153 O cemitério do Castelo de If 162 A Ilha de Tiboulen 167 Os contrabandistas 178 A ilha de Monte-Cristo 185 Deslumbramento 192 O desconhecido 200 A Estalagem da Ponte do Gard 206 O relato 217 Os registos das prisões 228 Acasa Morrel 233 O 5 de Stembro 244 Itália - Simbad, o marinheiro 257 Despertar 278 Bandidos Romanos 283 Aparição 309 A Mazzolata 327 O Carnaval de Roma 340 As Catacumbas de São Sebastião 356 O encontro 369 Os convivas 375 O almoço 392 A apresentação 403 O Sr. Bertuccio 415 A Casa de Auteuil 419 A vendetta 425 A chuva de sangue 444 O crédito ilimitado 454 A parelha pigarça 464 Ideologia 474 Haydée 484 A família Morrel 488 Píramo e Tisbe 496 Toxicologia 505 Roberto, o diabo 519 A alta e a baixa 531 O major Cavalcanti 540 Andrea Cavalcanti 548 O campo de Luzerna 557 O Sr. Noirtier de Villefort 566 O testamento 573 O telégrafo 580 Meios de livrar um jardineiro dos ratos-dos-pomares que lhe comem os pêssegos 588 Os fantasmas 596 O jantar 604 O mendigo 613 Cena conjugal 620 Projetos de casamento 629 No gabinete do Procurador Régio 637 Um baile de Verão 647 As informações 653 O baile 661 O pão e o sal 668 A Sra. de Saint-Méran 672 A promessa 682 O jazigo da família Villefort 705 A ata da sessão 713 Os progressos de Cavalcanti filho 723 Haydée 732 Escrevem-nos de Janina 748 A limonada 762 A acusação 771 O quarto do padeiro reformado 776 O assalto 790 A mão de Deus 801 Beauchamp 806 A viagem 812 O julgamento 822 A provocação 834 O insulto 840 A Noite 848 O duelo 855 A mãe e o filho 865 O suicídio 871 Valentine 879 A confissão 885 O pai e a filha 895 O contrato 903 A estrada da Bélgica 912 A estalagem do sino e da garrafa 917 A lei 928 A aparição 937 Locusta 943 Valentine 948 Maximilien 953 A assinatura de Danglars 961 O Cemitério do Père-lachaise 970 A partilha 981 O covil dos leões 994 O juiz 1001 No tribunal 1009 O libelo acusatório 1014 Expiação 1021 A partida 1028 O passado 1039 Peppino 1049 A ementa de Luigi Vampa 1058 O Perdão 1064 O 5 de Outubro 1069