O Conde de Monte Cristo - Cap. 17: A cela do abade Pág. 137 / 1080

- Mas não se pode aprender a filosofia?

- A filosofia não se aprende; a filosofia é a reunião das ciências adquiridas com o talento que as aplica. A filosofia é a nuvem deslumbrante em que Cristo pousou o pé para subir ao Céu.

- Vejamos, que me ensinará primeiro? - perguntou Dantès. - Tenho pressa de começar, sede de ciência.

- Tudo! - respondeu o abade.

Com efeito, logo naquela noite os dois prisioneiros estabeleceram um plano de educação que começaram a executar no dia seguinte. Dantès possuía uma memória prodigiosa e uma facilidade de concepção extrema. A disposição matemática do seu espírito habilitava-o a compreender tudo através do cálculo, enquanto a poesia do marinheiro corrigia tudo o que pudesse haver de excessivamente material na demonstração, reduzida à secura dos números ou à rectidão das linhas. Sabia já, aliás, o italiano e um bocadinho de grego moderno, que aprendera nas suas viagens ao Oriente. Com estas duas línguas, não tardou a compreender sem demora o mecanismo de todas as outras, e ao cabo de seis meses começava a falar espanhol, inglês e alemão.

Como dissera ao abade Faria. quer porque a distracção que lhe proporcionava o estudo substituísse nele a ânsia da liberdade, quer porque fosse, como já vimos rígido observador da sua palavra, nunca falava de fugir e os dias passavam para ele rápidos e instrutivos. Passado um ano, era outro homem.

Quanto ao abade Faria, Dantès notava que, apesar da distracção que a sua presença trouxera ao seu cativeiro, entristecia de dia para dia. Uma ideia pertinaz e constante parecia assediar-lhe o espírito. Caído em profundos alheamentos, suspirava involuntariamente, levantava-se de súbito, cruzava os braços e passeava sombrio à volta da cela.

Um dia parou de repente no meio de um desses passeios centenas de vezes repetidos que fazia à roda da cela e exclamou:

- Ah, se não houvesse sentinela!...

- Só haverá sentinela se o senhor quiser - observou Dantès, que lhe seguira o pensamento através da caixa craniana como através de um cristal.

- Já lhe disse que me repugna um assassínio.

- E no entanto esse assassínio, se fosse cometido, sê-lo-ia pelo instinto da nossa conservação, por um sentimento de defesa pessoal.

- Não importa, não o cometeria.

- Mas em todo o caso pensa nele?

- Sem cessar, sem cessar -murmurou o abade.

- E descobriu um meio, não descobriu? - disse vivamente Dantès.

- Descobri, se fosse possível pôr na galeria uma sentinela cega e surda.

- Será cega e surda! - respondeu o rapaz, num tom resoluto que assustou o abade.

- Não, não! - gritou. - Impossível.

Dantès quis levá-lo a falar mais a tal respeito, mas o abade abanou a cabeça e recusou.

Passaram três meses.

- Você é forte? - perguntou um dia o abade a Dantès.





Os capítulos deste livro

Marselha - A Chegada 1 O pai e o filho 8 Os Catalães 14 A Conspiração 23 O banquete de noivado 28 O substituto do Procurador Régio 38 O interrogatório 47 O Castelo de If 57 A festa de noivado 66 Os Cem Dias 89 O número 34 e o número 27 106 Um sábio italiano 120 A cela do abade 128 O Tesouro 143 O terceiro ataque 153 O cemitério do Castelo de If 162 A Ilha de Tiboulen 167 Os contrabandistas 178 A ilha de Monte-Cristo 185 Deslumbramento 192 O desconhecido 200 A Estalagem da Ponte do Gard 206 O relato 217 Os registos das prisões 228 Acasa Morrel 233 O 5 de Stembro 244 Itália - Simbad, o marinheiro 257 Despertar 278 Bandidos Romanos 283 Aparição 309 A Mazzolata 327 O Carnaval de Roma 340 As Catacumbas de São Sebastião 356 O encontro 369 Os convivas 375 O almoço 392 A apresentação 403 O Sr. Bertuccio 415 A Casa de Auteuil 419 A vendetta 425 A chuva de sangue 444 O crédito ilimitado 454 A parelha pigarça 464 Ideologia 474 Haydée 484 A família Morrel 488 Píramo e Tisbe 496 Toxicologia 505 Roberto, o diabo 519 A alta e a baixa 531 O major Cavalcanti 540 Andrea Cavalcanti 548 O campo de Luzerna 557 O Sr. Noirtier de Villefort 566 O testamento 573 O telégrafo 580 Meios de livrar um jardineiro dos ratos-dos-pomares que lhe comem os pêssegos 588 Os fantasmas 596 O jantar 604 O mendigo 613 Cena conjugal 620 Projetos de casamento 629 No gabinete do Procurador Régio 637 Um baile de Verão 647 As informações 653 O baile 661 O pão e o sal 668 A Sra. de Saint-Méran 672 A promessa 682 O jazigo da família Villefort 705 A ata da sessão 713 Os progressos de Cavalcanti filho 723 Haydée 732 Escrevem-nos de Janina 748 A limonada 762 A acusação 771 O quarto do padeiro reformado 776 O assalto 790 A mão de Deus 801 Beauchamp 806 A viagem 812 O julgamento 822 A provocação 834 O insulto 840 A Noite 848 O duelo 855 A mãe e o filho 865 O suicídio 871 Valentine 879 A confissão 885 O pai e a filha 895 O contrato 903 A estrada da Bélgica 912 A estalagem do sino e da garrafa 917 A lei 928 A aparição 937 Locusta 943 Valentine 948 Maximilien 953 A assinatura de Danglars 961 O Cemitério do Père-lachaise 970 A partilha 981 O covil dos leões 994 O juiz 1001 No tribunal 1009 O libelo acusatório 1014 Expiação 1021 A partida 1028 O passado 1039 Peppino 1049 A ementa de Luigi Vampa 1058 O Perdão 1064 O 5 de Outubro 1069