Ora era justamente domingo e o abade vinha convidar o seu jovem companheiro a compartilhar o seu pão e o seu vinho.
Dantès seguiu-o. Todas as linhas do seu rosto se tinham recomposto e retomado o seu lugar habitual, mas com uma rigidez e uma firmeza, se assim se pode dizer, que denotavam ter tomado uma resolução. O abade olhou-o fixamente.
- Estou aborrecido por o ter ajudado nas suas investigações e por lhe ter dito o que disse - confessou.
- Porquê? - perguntou Dantès.
- Porque lhe infiltrei no coração um sentimento que lá não havia: a vingança.
Dantès sorriu.
- Falemos de outra coisa - pediu.
O abade olhou-o mais um instante e abanou tristemente a cabeça. Depois, como lhe pedira Dantès falou doutra coisa. O velho prisioneiro era um desses homens cuja conversação, como a das pessoas que muito sofreram, continha numerosos ensinamentos e encerrava sempre um interesse sempre renovado. Mas como não era egoísta, aquele infeliz nunca falava das suas desgraças.
Dantès escutava todas as suas palavras com admiração. Umas correspondiam a ideias que já possuía e a conhecimentos que faziam parte da sua condição de marinheiro, mas outras referiam-se a coisas desconhecidas e, como as auroras boreais que iluminam os navegadores nas latitudes austrais, mostravam ao jovem paisagens e horizontes novos iluminados por clarões fantásticos. Dantès compreendeu o prazer que experimentaria uma pessoa inteligente em acompanhar aquele espírito elevado nas alturas morais, filosóficas ou sociais em que tinha o hábito de se lançar.
- Devia ensinar-me um bocadinho do que sabe - declarou Dantès -, quanto mais não fosse para não se aborrecer comigo. Parece-me agora que deve preferir o isolamento a um companheiro sem educação nem cultura como eu. Se concordar com o que lhe peço, comprometo-me a nunca mais lhe falar de fugir.
O abade sorriu.
- Infelizmente, meu filho, a ciência humana é muito limitada e depois de lhe ensinar as matemáticas, a física, a história e as três ou quatro línguas vivas que falo, saberia tanto como eu.
Ora toda esta ciência não levaria mais de dois anos a passar do meu espírito para o seu.
- Dois anos! - exclamou Dantès. - Acha que poderia aprender todas essas coisas em dois anos?
- Na sua aplicação, não; nos seus princípios, sim. Aprender não é saber. Há os sabichões e os sábios. Uns são fruto da memória, os outros da filosofia.