O Conde de Monte Cristo - Cap. 22: Os contrabandistas Pág. 179 / 1080

E depois talvez o genovês fosse com essas pessoas prudentes que só sabem o que devem saber e só acreditam no que lhes convém acreditar. Foi pois nesta situação recíproca que chegaram a Liorne.

Edmond faria lá uma nova experiência: saber se se reconheceria a si mesmo catorze anos depois de se não ver. Conservava ideia bastante precisa de que fora na juventude e desejava ver no que se transformara como homem. Aos olhos dos camaradas a sua promessa estava cumprida. Já estivera em Liorne umas vinte vezes e conhecia um barbeiro na Rua de S. Fernando. Foi aí que entrou para mandar fazer a barba e cortar o cabelo.

O barbeiro olhou com espanto aquele homem de longa cabeleira espessa e negra, que lembrava umas belas cabeças de Ticiano.

Naquela época ainda não era moda usar-se a barba e o cabelo tão compridos; hoje um barbeiro apenas se admiraria se um homem dotado de tão notáveis atributos físicos consentisse em privar-se deles.

O barbeiro lionês deitou as mãos à obra sem fazer observações.

Quando a operação terminou, quando Edmond sentiu o queixo inteiramente barbeado e o cabelo reduzido ao comprimento normal, pediu um espelho e olhou-se.

Contava então trinta e três anos, como dissemos, e os catorze anos de prisão tinham por assim dizer ocasionado uma grande transformação moral na sua fisionomia.

Dantès entrara no Castelo de If com o rosto redondo, risonho e despreocupado de um jovem feliz, a quem os primeiros passos na vida foram facilitados e que espera do futuro o que naturalmente deduz do passado. Mas tudo isso mudara.

O seu rosto oval alongara-se, a sua boca risonha adquirira as linhas firmes e decididas que indicam a resolução, as suas sobrancelhas tinham-se arqueado sob uma ruga única, pensativa, os seus olhos estavam impregnados de profunda tristeza, do fundo da qual brotavam de vez em quando relâmpagos sombrios, misantropia e ódio, e a sua tez, durante tanto tempo afastada da luz do dia e dos raios do Sol, adquirira a cor mate característica, quando o rosto é emoldurado por cabelos negros, da beleza aristocrática dos homens do Norte. Além disso, a ciência profunda que adquirira espalhava-lhe por todo o rosto uma auréola de inteligente segurança. Mais, embora fosse naturalmente de estatura bastante alta, também adquirira o vigor pesado de um corpo que concentra constantemente as suas forças em si mesmo. À elegância das formas nervosas e franzinas sucedera a solidez das formas arredondadas e musculosas. Quanto à voz, as preces, os soluços e as imprecações tinham-na modificado, dando-lhe ora um timbre de uma doçura estranha, ora uma acentuação rude e quase rouca.





Os capítulos deste livro

Marselha - A Chegada 1 O pai e o filho 8 Os Catalães 14 A Conspiração 23 O banquete de noivado 28 O substituto do Procurador Régio 38 O interrogatório 47 O Castelo de If 57 A festa de noivado 66 Os Cem Dias 89 O número 34 e o número 27 106 Um sábio italiano 120 A cela do abade 128 O Tesouro 143 O terceiro ataque 153 O cemitério do Castelo de If 162 A Ilha de Tiboulen 167 Os contrabandistas 178 A ilha de Monte-Cristo 185 Deslumbramento 192 O desconhecido 200 A Estalagem da Ponte do Gard 206 O relato 217 Os registos das prisões 228 Acasa Morrel 233 O 5 de Stembro 244 Itália - Simbad, o marinheiro 257 Despertar 278 Bandidos Romanos 283 Aparição 309 A Mazzolata 327 O Carnaval de Roma 340 As Catacumbas de São Sebastião 356 O encontro 369 Os convivas 375 O almoço 392 A apresentação 403 O Sr. Bertuccio 415 A Casa de Auteuil 419 A vendetta 425 A chuva de sangue 444 O crédito ilimitado 454 A parelha pigarça 464 Ideologia 474 Haydée 484 A família Morrel 488 Píramo e Tisbe 496 Toxicologia 505 Roberto, o diabo 519 A alta e a baixa 531 O major Cavalcanti 540 Andrea Cavalcanti 548 O campo de Luzerna 557 O Sr. Noirtier de Villefort 566 O testamento 573 O telégrafo 580 Meios de livrar um jardineiro dos ratos-dos-pomares que lhe comem os pêssegos 588 Os fantasmas 596 O jantar 604 O mendigo 613 Cena conjugal 620 Projetos de casamento 629 No gabinete do Procurador Régio 637 Um baile de Verão 647 As informações 653 O baile 661 O pão e o sal 668 A Sra. de Saint-Méran 672 A promessa 682 O jazigo da família Villefort 705 A ata da sessão 713 Os progressos de Cavalcanti filho 723 Haydée 732 Escrevem-nos de Janina 748 A limonada 762 A acusação 771 O quarto do padeiro reformado 776 O assalto 790 A mão de Deus 801 Beauchamp 806 A viagem 812 O julgamento 822 A provocação 834 O insulto 840 A Noite 848 O duelo 855 A mãe e o filho 865 O suicídio 871 Valentine 879 A confissão 885 O pai e a filha 895 O contrato 903 A estrada da Bélgica 912 A estalagem do sino e da garrafa 917 A lei 928 A aparição 937 Locusta 943 Valentine 948 Maximilien 953 A assinatura de Danglars 961 O Cemitério do Père-lachaise 970 A partilha 981 O covil dos leões 994 O juiz 1001 No tribunal 1009 O libelo acusatório 1014 Expiação 1021 A partida 1028 O passado 1039 Peppino 1049 A ementa de Luigi Vampa 1058 O Perdão 1064 O 5 de Outubro 1069