Não foi sem certo estremecimento que Dantès viu aproximar-se um gendarme no escaler da Sanidade. Mas com a segurança perfeita que adquirira apresentou-lhe um passaporte inglês que comprara em Liorne e mediante esse salvo-conduto estrangeiro, muito mais respeitado em França do que o nosso, desceu a terra sem dificuldade.
A primeira coisa que Dantès viu ao pôr o pé na Cannebière foi um dos marinheiros do Pharaon o homem servira sob as suas ordens e vinha a propósito para tranquilizar Dantès a respeito das mudanças que se tinham operado em si. Foi direito ao homem e fez-lhe várias perguntas às quais ele respondeu sem sequer deixar suspeitar, quer nas suas palavras, quer na sua fisionomia, que se lembrava de ter visto alguma vez aquele quelhe dirigia a palavra.
Dantès deu ao marinheiro uma moeda de ouro para lhe agradecer as informações. Um instante depois ouviu o bom homem correr atrás de si
Dantès voltou-se.
- Desculpe, senhor - disse o marinheiro -, mas com certeza enganou-se. Deve ter querido dar-me uma moeda de quarenta soldos e deu-me um duplo napoleão.
- De facto meu amigo, enganei-me - respondeu Dantès.
- Mas como a sua honestidade merece uma recompensa, aqui tem outro que lhe peço aceite para beber à minha saúde com os seus camaradas.
O marinheiro olhou para Dantès tão espantado que nem sequer se lembrou de agradecer e ficou a vê-lo afastar-se dizendo:
- É algum nabado vindo da índia.
Dantès continuou o seu caminho. Cada passo que dava oprimia-lhe o coração uma emoção nova. Todas as suas recordações de infância recordações indeléveis, eternamente presentes na memória, estavam ali erguiam-se a cada canto da praça, a cada esquina da rua, em cada cruzamento. Ao chegar ao fim da Rua de Noailles e ver a Alameda de Meilhan, sentiu os joelhos vergarem-se-lhe e quase caiu debaixo das rodas de uma carruagem. Por fim chegou à casa onde morara o pai. As aristolóquias e as capuchinhas tinham desaparecido da mansarda, onde outrora a mão do pobre homem as tratava com tanto cuidado.
Encostou-se a uma árvore e ficou algum tempo pensativo, a olhar os últimos andares da modesta casita.