O Conde de Monte Cristo - Cap. 26: A Estalagem da Ponte do Gard Pág. 213 / 1080

- Soube do seu falecimento em Marselha - declarou o abade, fazendo um esforço para parecer indiferente. - Mas a morte foi há tanto tempo que não pude obter nenhum pormenor... Sabe alguma coisa acerca do fim do velhote?

– Ora, ora!... A tal respeito ninguém sabe mais do que eu! Morava porta com porta com o pobre homem... Sim, meu Deus, passado apenas um ano depois da prisão do filho, o pobre velho morreu!

- Mas de quê?

- Os médicos chamaram à doença... gastrenterite, se me não engano. Mas aqueles que o conheciam disseram que morreu de dor. E eu, que quase o vi morrer, digo que morreu...

Caderousse deteve-se.

- Morreu de quê? - insistiu com ansiedade o padre.

- Bom... morreu de fome!

- De fome?! - gritou o abade, saltando do banco. - De fome? Os mais vis animais não morrem de fome! Os cães que vagueiam pelas ruas encontram uma mão compassiva que lhos atira um bocado de pão. E um homem, um cristão, morre de fome no meio de outros homens que se dizem cristãos como ele! Impossível! Oh, é impossível.

- O que disse está dito! - redarguiu Caderousse.

- Mas não o devias ter dito! - exclamou uma voz vinda da escada. - Porque te metes onde não és chamado? Os dois homens viraram-se e viram através das barras do corrimão a cara doentia da Carconte. Arrastara-se até ali e escutava a conversa sentada no último degrau, com a cara apoiada nos joelhos.

- E tu, mulher, porque te intrometes na conversa? - volveu-lhe Caderousse. - Este senhor pede informações e a delicadeza manda que lhas dê.

- Pois sim, mas a prudência manda que lhas recuses. Quem te diz com que intenção te querem fazer falar, imbecil?

- Com a melhor das intenções, minha senhora, garanto-lhe interveio o abade.

- O seu marido não tem nada a temer, desde que responda francamente.

- Ora não tem nada a temer, não tem nada a temer!... Claro que tem! Começa-se com bonitas promessas e depois diz-se apenas que não tem nada a temer... Em seguida desaparece-se sem cumprir nada do que se prometeu e uma boa manhã a desgraça cai sobre um pobre de Cristo sem que ele saiba donde lhe vem.

- Esteja tranquila, boa mulher, que nenhuma desgraça lhos virá da minha parte, garanto-lhe.

A Carconte resmungou algumas palavras que ninguém entendeu, deixou cair novamente nos joelhos a cabeça que levantara por instantes e continuou a tremer de febre, deixando o marido livre para continuar a conversa, mas colocada de maneira a não perder uma palavra.

Entretanto, o abade bebera alguns golos de água e recuperara a serenidade.

- Mas então esse infeliz velho estava assim tão abandonado por toda a gente, a ponto de morrer dessa maneira?





Os capítulos deste livro

Marselha - A Chegada 1 O pai e o filho 8 Os Catalães 14 A Conspiração 23 O banquete de noivado 28 O substituto do Procurador Régio 38 O interrogatório 47 O Castelo de If 57 A festa de noivado 66 Os Cem Dias 89 O número 34 e o número 27 106 Um sábio italiano 120 A cela do abade 128 O Tesouro 143 O terceiro ataque 153 O cemitério do Castelo de If 162 A Ilha de Tiboulen 167 Os contrabandistas 178 A ilha de Monte-Cristo 185 Deslumbramento 192 O desconhecido 200 A Estalagem da Ponte do Gard 206 O relato 217 Os registos das prisões 228 Acasa Morrel 233 O 5 de Stembro 244 Itália - Simbad, o marinheiro 257 Despertar 278 Bandidos Romanos 283 Aparição 309 A Mazzolata 327 O Carnaval de Roma 340 As Catacumbas de São Sebastião 356 O encontro 369 Os convivas 375 O almoço 392 A apresentação 403 O Sr. Bertuccio 415 A Casa de Auteuil 419 A vendetta 425 A chuva de sangue 444 O crédito ilimitado 454 A parelha pigarça 464 Ideologia 474 Haydée 484 A família Morrel 488 Píramo e Tisbe 496 Toxicologia 505 Roberto, o diabo 519 A alta e a baixa 531 O major Cavalcanti 540 Andrea Cavalcanti 548 O campo de Luzerna 557 O Sr. Noirtier de Villefort 566 O testamento 573 O telégrafo 580 Meios de livrar um jardineiro dos ratos-dos-pomares que lhe comem os pêssegos 588 Os fantasmas 596 O jantar 604 O mendigo 613 Cena conjugal 620 Projetos de casamento 629 No gabinete do Procurador Régio 637 Um baile de Verão 647 As informações 653 O baile 661 O pão e o sal 668 A Sra. de Saint-Méran 672 A promessa 682 O jazigo da família Villefort 705 A ata da sessão 713 Os progressos de Cavalcanti filho 723 Haydée 732 Escrevem-nos de Janina 748 A limonada 762 A acusação 771 O quarto do padeiro reformado 776 O assalto 790 A mão de Deus 801 Beauchamp 806 A viagem 812 O julgamento 822 A provocação 834 O insulto 840 A Noite 848 O duelo 855 A mãe e o filho 865 O suicídio 871 Valentine 879 A confissão 885 O pai e a filha 895 O contrato 903 A estrada da Bélgica 912 A estalagem do sino e da garrafa 917 A lei 928 A aparição 937 Locusta 943 Valentine 948 Maximilien 953 A assinatura de Danglars 961 O Cemitério do Père-lachaise 970 A partilha 981 O covil dos leões 994 O juiz 1001 No tribunal 1009 O libelo acusatório 1014 Expiação 1021 A partida 1028 O passado 1039 Peppino 1049 A ementa de Luigi Vampa 1058 O Perdão 1064 O 5 de Outubro 1069