O Conde de Monte Cristo - Cap. 27: O relato Pág. 221 / 1080

E Caderousse baixou a cabeça, com todos os sinais de verdadeiro arrependimento.

- Bem, senhor - disse o abade -, falou com franqueza. Quem se acusa assim, merece perdão.

- Infelizmente - observou Caderousse -, Edmond morreu e não me perdoou!

- Por ignorância... - atalhou o abade.

- Mas agora talvez saiba - acrescentou Caderousse. - Dizem que os mortos sabem tudo.

Fez-se um instante de silêncio. O abade levantara-se e passeava pensativo. Voltou para o seu lugar e sentou-se.

- Já se me referiu duas ou três vezes a um tal Sr. Morrel.

Quem é esse homem? - perguntou.

- Era o armador do Pharaon, o patrão de Dantès.

- E que papel teve esse homem em todo esse triste caso? - perguntou o abade.

- O papel de um homem honesto, corajoso e amigo, senhor.

Intercedeu vinte vezes por Edmond. Quando o imperador regressou, escreveu, suplicou e ameaçou, de tal forma que na II Restauração o perseguiram encarniçadamente como bonapartista. Dez vezes, como já lhe disse, foi a casa do Tio Dantès; para o retirar de lá, e ainda na véspera da sua morte, como também já lhe disse, deixou em cima da chaminé uma bolsa com a qual se pagaram as dívidas do pobre homem e se fez face ao seu funeral. Assim, o infeliz velho pôde morrer ao menos como vivera, sem prejudicar ninguém. Sou eu que tenho a bolsa, uma grande bolsa de rede encarnada.

- E esse Sr. Morrel ainda é vivo? - perguntou o abade.

- É - respondeu Caderousse.

- Nesse caso - prosseguiu o abade -, deve ser um homem abençoado por Deus, rico... feliz...

Caderousse sorriu amargamente.

- Sim, feliz como eu - redarguiu.

- O Sr. Morrel deveria ser feliz! - exclamou o abade.

- Está quase na miséria, senhor, e, pior do que isso, quase desonrado.

- Como assim?

- Sim - prosseguiu Caderousse -, é como lhe digo. Depois de vinte e cinco anos de trabalho; depois de adquirir a mais respeitável reputação na praça de Marselha, o Sr. Morrel está completamente arruinado. Perdeu cinco navios em dois anos, passou por três falências terríveis e a sua única esperança cifra-se apenas nesse mesmo Pharaon que comandava o pobre Dantès e que deve regressar da índia com um carregamento de cochonilha e índigo. Se esse navio naufragar como os outros, estará perdido.

- E esse infeliz tem mulher e filhos? - quis saber o abade.

- Tem uma mulher que no meio de tudo aquilo se comporta como uma santa, uma filha que ia casar com o homem que amava, mas cuja família já não o quer deixar desposar uma rapariga arruinada, e também um filho que é tenente do Exército. Mas. como deve calcular, tudo isto aumenta a sua dor, em vez de a mitigar. Pobre e digno homem! Se não tivesse ninguém, daria um tiro nos miolos e pronto.

- Que coisa horrível! - murmurou o padre.





Os capítulos deste livro

Marselha - A Chegada 1 O pai e o filho 8 Os Catalães 14 A Conspiração 23 O banquete de noivado 28 O substituto do Procurador Régio 38 O interrogatório 47 O Castelo de If 57 A festa de noivado 66 Os Cem Dias 89 O número 34 e o número 27 106 Um sábio italiano 120 A cela do abade 128 O Tesouro 143 O terceiro ataque 153 O cemitério do Castelo de If 162 A Ilha de Tiboulen 167 Os contrabandistas 178 A ilha de Monte-Cristo 185 Deslumbramento 192 O desconhecido 200 A Estalagem da Ponte do Gard 206 O relato 217 Os registos das prisões 228 Acasa Morrel 233 O 5 de Stembro 244 Itália - Simbad, o marinheiro 257 Despertar 278 Bandidos Romanos 283 Aparição 309 A Mazzolata 327 O Carnaval de Roma 340 As Catacumbas de São Sebastião 356 O encontro 369 Os convivas 375 O almoço 392 A apresentação 403 O Sr. Bertuccio 415 A Casa de Auteuil 419 A vendetta 425 A chuva de sangue 444 O crédito ilimitado 454 A parelha pigarça 464 Ideologia 474 Haydée 484 A família Morrel 488 Píramo e Tisbe 496 Toxicologia 505 Roberto, o diabo 519 A alta e a baixa 531 O major Cavalcanti 540 Andrea Cavalcanti 548 O campo de Luzerna 557 O Sr. Noirtier de Villefort 566 O testamento 573 O telégrafo 580 Meios de livrar um jardineiro dos ratos-dos-pomares que lhe comem os pêssegos 588 Os fantasmas 596 O jantar 604 O mendigo 613 Cena conjugal 620 Projetos de casamento 629 No gabinete do Procurador Régio 637 Um baile de Verão 647 As informações 653 O baile 661 O pão e o sal 668 A Sra. de Saint-Méran 672 A promessa 682 O jazigo da família Villefort 705 A ata da sessão 713 Os progressos de Cavalcanti filho 723 Haydée 732 Escrevem-nos de Janina 748 A limonada 762 A acusação 771 O quarto do padeiro reformado 776 O assalto 790 A mão de Deus 801 Beauchamp 806 A viagem 812 O julgamento 822 A provocação 834 O insulto 840 A Noite 848 O duelo 855 A mãe e o filho 865 O suicídio 871 Valentine 879 A confissão 885 O pai e a filha 895 O contrato 903 A estrada da Bélgica 912 A estalagem do sino e da garrafa 917 A lei 928 A aparição 937 Locusta 943 Valentine 948 Maximilien 953 A assinatura de Danglars 961 O Cemitério do Père-lachaise 970 A partilha 981 O covil dos leões 994 O juiz 1001 No tribunal 1009 O libelo acusatório 1014 Expiação 1021 A partida 1028 O passado 1039 Peppino 1049 A ementa de Luigi Vampa 1058 O Perdão 1064 O 5 de Outubro 1069