O Conde de Monte Cristo - Cap. 35: A Mazzolata Pág. 329 / 1080

«O primeiro será mazzolato e o segundo decapitato.» Sim, com efeito - prosseguiu o conde -, era de facto assim que as coisas se deviam passar primitivamente; mas parece-me que desde ontem houve qualquer alteração na ordem e na sequência da cerimónia.

- Sim? - observou Franz.

- Sim. Ontem, em casa do cardeal Rospigliosi, onde passei a noite, falava-se de qualquer coisa como um adiamento concedido a um dos dois condenados.

- A Andrea Rondolo? - perguntou Franz.

- Não... - redarguiu negligentemente o conde - ao outro... - (deitou uma olhadela à agenda, como que para se recordar do nome) - a Peppino, por alcunha Rocca Priori. Isso priva-os de uma guilhotinadela, mas resta-lhes a mazzolata, que é um suplício deveras curioso quando se vê pela primeira vez e mesmo pela segunda, ao passo que o outro, que aliás devem conhecer, é muito simples, muito rápido, e sem nada de inesperado. A mandaïa nunca falha, não treme, não, fere em falso, não obriga a tentar trinta vezes, como aconteceu ao soldado encarregado de cortar a cabeça ao conde de Chalais, e ao qual, de resto, Richelieu talvez tivesse recomendado o paciente. Mas deixemo-nos disto - acrescentou o conde em tom desdenhoso. - Não me falem dos Europeus no tocante a suplícios; não percebem nada disso e encontram-se verdadeiramente na infância, ou antes, na velhice da crueldade.

- Na verdade, Sr. Conde - observou Franz -, dir-se-ia que fez um estudo comparado dos suplícios entre os diversos povos do mundo.

- Pelo menos há poucos que não tenha visto – respondeu friamente o conde.

- E encontrou prazer em assistir a esses horríveis espectáculos?

- A minha primeira sensação foi de repulsa, a segunda de indiferença e a terceira de curiosidade.

- Curiosidade! A palavra é terrível, não acha?

- Porquê? Na vida há apenas uma preocupação grave: a morte. Pois bem, não será curioso estudar de que formas diferentes a alma pode sair do corpo e como, segundo os caracteres, os temperamentos e até os costumes do país, os indivíduos suportam essa suprema passagem do ser para o nada? Quanto a mim, respondo-lhe uma coisa: quanto mais vemos morrer, mais fácil se torna morrer. Assim, na minha opinião, a morte é talvez um suplício, mas não é uma expiação.

- Não o compreendo bem - confessou Franz. - Explique-se, pois tenho dificuldade em dizer-lhe até que ponto as suas palavras espicaçaram a minha curiosidade.





Os capítulos deste livro

Marselha - A Chegada 1 O pai e o filho 8 Os Catalães 14 A Conspiração 23 O banquete de noivado 28 O substituto do Procurador Régio 38 O interrogatório 47 O Castelo de If 57 A festa de noivado 66 Os Cem Dias 89 O número 34 e o número 27 106 Um sábio italiano 120 A cela do abade 128 O Tesouro 143 O terceiro ataque 153 O cemitério do Castelo de If 162 A Ilha de Tiboulen 167 Os contrabandistas 178 A ilha de Monte-Cristo 185 Deslumbramento 192 O desconhecido 200 A Estalagem da Ponte do Gard 206 O relato 217 Os registos das prisões 228 Acasa Morrel 233 O 5 de Stembro 244 Itália - Simbad, o marinheiro 257 Despertar 278 Bandidos Romanos 283 Aparição 309 A Mazzolata 327 O Carnaval de Roma 340 As Catacumbas de São Sebastião 356 O encontro 369 Os convivas 375 O almoço 392 A apresentação 403 O Sr. Bertuccio 415 A Casa de Auteuil 419 A vendetta 425 A chuva de sangue 444 O crédito ilimitado 454 A parelha pigarça 464 Ideologia 474 Haydée 484 A família Morrel 488 Píramo e Tisbe 496 Toxicologia 505 Roberto, o diabo 519 A alta e a baixa 531 O major Cavalcanti 540 Andrea Cavalcanti 548 O campo de Luzerna 557 O Sr. Noirtier de Villefort 566 O testamento 573 O telégrafo 580 Meios de livrar um jardineiro dos ratos-dos-pomares que lhe comem os pêssegos 588 Os fantasmas 596 O jantar 604 O mendigo 613 Cena conjugal 620 Projetos de casamento 629 No gabinete do Procurador Régio 637 Um baile de Verão 647 As informações 653 O baile 661 O pão e o sal 668 A Sra. de Saint-Méran 672 A promessa 682 O jazigo da família Villefort 705 A ata da sessão 713 Os progressos de Cavalcanti filho 723 Haydée 732 Escrevem-nos de Janina 748 A limonada 762 A acusação 771 O quarto do padeiro reformado 776 O assalto 790 A mão de Deus 801 Beauchamp 806 A viagem 812 O julgamento 822 A provocação 834 O insulto 840 A Noite 848 O duelo 855 A mãe e o filho 865 O suicídio 871 Valentine 879 A confissão 885 O pai e a filha 895 O contrato 903 A estrada da Bélgica 912 A estalagem do sino e da garrafa 917 A lei 928 A aparição 937 Locusta 943 Valentine 948 Maximilien 953 A assinatura de Danglars 961 O Cemitério do Père-lachaise 970 A partilha 981 O covil dos leões 994 O juiz 1001 No tribunal 1009 O libelo acusatório 1014 Expiação 1021 A partida 1028 O passado 1039 Peppino 1049 A ementa de Luigi Vampa 1058 O Perdão 1064 O 5 de Outubro 1069