O Conde de Monte Cristo - Cap. 83: A mão de Deus Pág. 805 / 1080

- Oh! - exclamou Caderousse, aterrado. - Se não fossem esses cabelos negros, diria que era o inglês, diria que era Lorde Wilmore.

- Não sou nem o abade Busoni nem Lorde Wilmore - disse Monte-Cristo. - Olha melhor, olha para mais longe, olha para as tuas primeiras recordações.

Havia nestas palavras do conde uma vibração magnética, que pela derradeira vez reavivou os sentidos exaustos do miserável.

- Oh, de facto parece-me que já o vi, que o conheci noutros tempos!...

- Sim, Caderousse, sim, viste-me; sim, conheceste-me.

- Mas afinal quem é o senhor? E porquê, se já me vira e conhecera, porque me deixa morrer?

- Porque nada te pode salvar, Caderousse; porque os teus ferimentos são mortais. Se pudesses ser salvo, eu veria nisso a última misericórdia do Senhor e teria mais uma vez, juro-te pela sepultura do meu pai, tentado restituir-te à vida e ao arrependimento.

- Pela sepultura do teu pai!... - exclamou Caderousse, reanimado por uma suprema centelha e soerguendo-se para ver mais de perto o homem que acabava de lhe fazer aquele juramento sagrado para todos os homens. - Eh! Quem és tu?

O conde acompanhara até ali os progressos da agonia. Compreendeu que aquele ímpeto de vida era o último. Aproximou-se do moribundo e, envolvendo-o num olhar calmo e triste, disse-lhe ao ouvido.

- Eu sou...

E os seus lábios, apenas entreabertos, deram passagem a um nome pronunciado tão baixo que o próprio conde parecia recear ouvi-lo.

Caderousse, que se erguera nos joelhos, estendeu os braços, fez um esforço para recuar e depois, juntando as mãos e levantando-as num esforço supremo, disse:

- Oh, meu Deus, perdão por Te ter renegado! Existes e és bem o pai dos homens no céu e o seu juiz na Terra. Meu Deus, Senhor, ignorei-te durante tanto tempo! Meu Deus, Senhor, perdoa-me! Meu Deus, Senhor, recebe-me!

E Caderousse fechou os olhos e caiu para trás, com um último grito e um último suspiro.

O sangue parou imediatamente nos lábios das suas enormes feridas.

Estava morto.

- Um! - disse misteriosamente o conde, de olhos postos no cadáver já desfigurado por aquela morte horrível.

Dez minutos depois chegaram o médico e o procurador régio, trazidos um pelo porteiro e o outro por Ali, e foram recebidos pelo abade Busoni, que rezava junto do morto.





Os capítulos deste livro

Marselha - A Chegada 1 O pai e o filho 8 Os Catalães 14 A Conspiração 23 O banquete de noivado 28 O substituto do Procurador Régio 38 O interrogatório 47 O Castelo de If 57 A festa de noivado 66 Os Cem Dias 89 O número 34 e o número 27 106 Um sábio italiano 120 A cela do abade 128 O Tesouro 143 O terceiro ataque 153 O cemitério do Castelo de If 162 A Ilha de Tiboulen 167 Os contrabandistas 178 A ilha de Monte-Cristo 185 Deslumbramento 192 O desconhecido 200 A Estalagem da Ponte do Gard 206 O relato 217 Os registos das prisões 228 Acasa Morrel 233 O 5 de Stembro 244 Itália - Simbad, o marinheiro 257 Despertar 278 Bandidos Romanos 283 Aparição 309 A Mazzolata 327 O Carnaval de Roma 340 As Catacumbas de São Sebastião 356 O encontro 369 Os convivas 375 O almoço 392 A apresentação 403 O Sr. Bertuccio 415 A Casa de Auteuil 419 A vendetta 425 A chuva de sangue 444 O crédito ilimitado 454 A parelha pigarça 464 Ideologia 474 Haydée 484 A família Morrel 488 Píramo e Tisbe 496 Toxicologia 505 Roberto, o diabo 519 A alta e a baixa 531 O major Cavalcanti 540 Andrea Cavalcanti 548 O campo de Luzerna 557 O Sr. Noirtier de Villefort 566 O testamento 573 O telégrafo 580 Meios de livrar um jardineiro dos ratos-dos-pomares que lhe comem os pêssegos 588 Os fantasmas 596 O jantar 604 O mendigo 613 Cena conjugal 620 Projetos de casamento 629 No gabinete do Procurador Régio 637 Um baile de Verão 647 As informações 653 O baile 661 O pão e o sal 668 A Sra. de Saint-Méran 672 A promessa 682 O jazigo da família Villefort 705 A ata da sessão 713 Os progressos de Cavalcanti filho 723 Haydée 732 Escrevem-nos de Janina 748 A limonada 762 A acusação 771 O quarto do padeiro reformado 776 O assalto 790 A mão de Deus 801 Beauchamp 806 A viagem 812 O julgamento 822 A provocação 834 O insulto 840 A Noite 848 O duelo 855 A mãe e o filho 865 O suicídio 871 Valentine 879 A confissão 885 O pai e a filha 895 O contrato 903 A estrada da Bélgica 912 A estalagem do sino e da garrafa 917 A lei 928 A aparição 937 Locusta 943 Valentine 948 Maximilien 953 A assinatura de Danglars 961 O Cemitério do Père-lachaise 970 A partilha 981 O covil dos leões 994 O juiz 1001 No tribunal 1009 O libelo acusatório 1014 Expiação 1021 A partida 1028 O passado 1039 Peppino 1049 A ementa de Luigi Vampa 1058 O Perdão 1064 O 5 de Outubro 1069