O Conde de Monte Cristo - Cap. 99: A lei Pág. 935 / 1080

»Quem sou eu? A lei. Ora a lei tem porventura olhos para ver a sua tristeza? Ouvidos para escutar a sua meiga voz? Memória para aplicar a si própria os seus delicados pensamentos? Não, minha senhora, a lei ordena, e quando a lei ordena, fere.

»Dir-me-á que sou um ser vivo e não um código; um homem e não um volume. Olhe para mim, minha senhora, olhe à minha volta: os homens trataram-me como irmão? Amaram-me? Pouparam-me? Consideraram-me? Alguém pediu compaixão para o Sr. de Villefort e houve porventura quem concedesse a esse alguém perdão para o Sr. de Villefort? Não, não, não! Feriram-no, feriram-no sempre!

»Persiste, mulher, como sereia que é, em me falar com esse olhar encantador e expressivo que me recorda que devo corar. Sim, sem dúvida, corar do que sabe e talvez, talvez de mais outra coisa.

»Mas enfim, desde que eu próprio falhei, e talvez mais profundamente do que os outros, desde esse tempo tenho sacudido as roupas dos outros em busca da úlcera, e encontrei-a, e direi mais: encontrei-a com prazer, com alegria, esse sinal da fraqueza ou da perversidade humana.

»Porque cada homem que reconhecia culpado, e cada culpado que feria, parecia-me uma prova viva, uma nova prova de que eu não era uma hedionda excepção. Infelizmente - sim, infelizmente, infelizmente! - toda a gente é má, minha senhora; provemo-lo e firamos o mau!

Villefort pronunciou estas últimas palavras com raiva febril, que dava à sua linguagem uma eloquência feroz.

- Mas - prosseguiu a Sr.ª Danglars, procurando tentar um último esforço - o senhor não diz que esse rapaz é um vagabundo, um órfão abandonado por todos?

- Tanto pior, tanto pior, ou antes, tanto melhor. A Providência fê-lo assim para ninguém ter de chorar por ele.

- Isso é encarniçar-se contra um fraco, senhor.

- Um fraco que assassina!

- A sua desonra recairia sobre a minha casa.

- Não tenho eu a morte na minha!

- Oh, senhor, da sua parte não há piedade para os outros! - exclamou a baronesa. - Pois bem, sou eu quem lho diz, também não haverá piedade para si!

- Seja! - redarguiu Villefort, erguendo, num gesto de ameaça, o braço do céu.

- Adie ao menos a causa desse desventurado, se ele for preso, para o próximo período judicial. Isso dar-nos-á seis meses para que o caso seja esquecido.

- Não - recusou Villefort. - Ainda tenho cinco dias; a instrução está concluída, e cinco dias é mais tempo do que necessito. Aliás, não compreende, minha senhora, que também necessito de esquecer? Quando trabalho, e trabalho dia e noite, quando trabalho há momentos em que me esqueço, e quando me esqueço sou feliz como são os mortos. Mas mesmo Assim isso é ainda preferível a sofrer.





Os capítulos deste livro

Marselha - A Chegada 1 O pai e o filho 8 Os Catalães 14 A Conspiração 23 O banquete de noivado 28 O substituto do Procurador Régio 38 O interrogatório 47 O Castelo de If 57 A festa de noivado 66 Os Cem Dias 89 O número 34 e o número 27 106 Um sábio italiano 120 A cela do abade 128 O Tesouro 143 O terceiro ataque 153 O cemitério do Castelo de If 162 A Ilha de Tiboulen 167 Os contrabandistas 178 A ilha de Monte-Cristo 185 Deslumbramento 192 O desconhecido 200 A Estalagem da Ponte do Gard 206 O relato 217 Os registos das prisões 228 Acasa Morrel 233 O 5 de Stembro 244 Itália - Simbad, o marinheiro 257 Despertar 278 Bandidos Romanos 283 Aparição 309 A Mazzolata 327 O Carnaval de Roma 340 As Catacumbas de São Sebastião 356 O encontro 369 Os convivas 375 O almoço 392 A apresentação 403 O Sr. Bertuccio 415 A Casa de Auteuil 419 A vendetta 425 A chuva de sangue 444 O crédito ilimitado 454 A parelha pigarça 464 Ideologia 474 Haydée 484 A família Morrel 488 Píramo e Tisbe 496 Toxicologia 505 Roberto, o diabo 519 A alta e a baixa 531 O major Cavalcanti 540 Andrea Cavalcanti 548 O campo de Luzerna 557 O Sr. Noirtier de Villefort 566 O testamento 573 O telégrafo 580 Meios de livrar um jardineiro dos ratos-dos-pomares que lhe comem os pêssegos 588 Os fantasmas 596 O jantar 604 O mendigo 613 Cena conjugal 620 Projetos de casamento 629 No gabinete do Procurador Régio 637 Um baile de Verão 647 As informações 653 O baile 661 O pão e o sal 668 A Sra. de Saint-Méran 672 A promessa 682 O jazigo da família Villefort 705 A ata da sessão 713 Os progressos de Cavalcanti filho 723 Haydée 732 Escrevem-nos de Janina 748 A limonada 762 A acusação 771 O quarto do padeiro reformado 776 O assalto 790 A mão de Deus 801 Beauchamp 806 A viagem 812 O julgamento 822 A provocação 834 O insulto 840 A Noite 848 O duelo 855 A mãe e o filho 865 O suicídio 871 Valentine 879 A confissão 885 O pai e a filha 895 O contrato 903 A estrada da Bélgica 912 A estalagem do sino e da garrafa 917 A lei 928 A aparição 937 Locusta 943 Valentine 948 Maximilien 953 A assinatura de Danglars 961 O Cemitério do Père-lachaise 970 A partilha 981 O covil dos leões 994 O juiz 1001 No tribunal 1009 O libelo acusatório 1014 Expiação 1021 A partida 1028 O passado 1039 Peppino 1049 A ementa de Luigi Vampa 1058 O Perdão 1064 O 5 de Outubro 1069