O Conde de Monte Cristo - Cap. 100: A aparição Pág. 938 / 1080

Então parecia-lhe ver aparecer ora a madrasta que a ameaçava, ora Morrel que lhe estendia os braços, ora seres quase estranhos à sua vida habitual, como o conde de Monte-Cristo.

Nesses momentos de delírio até os móveis lhe pareciam mover-se. E isso prolongava-se assim até às duas ou três horas da manhã, momento em que um sono de chumbo se apoderava da jovem e a conduzia até ao dia.

Na noite que se seguiu à manhã em que Valentine soube da fuga de Eugénie e da prisão de Benedetto, e em que, depois de se terem confundido um instante com as sensações da sua própria existência, esses acontecimentos lhe começavam a sair pouco a pouco da ideia; depois da sucessiva retirada de Villefort, de Avrigny e de Noirtier; quando soavam onze horas em Saint-Philippe du Roule e a enfermeira, após colocar ao alcance da mão da doente a beberagem preparada pelo médico e fechar a porta do quarto, escutava palpitante, na copa para onde se dirigira, os comentários dos criados, e guardava na memória as histórias lúgubres que havia três meses alimentavam os serões da criadagem do procurador régio - verificou-se uma cena inesperada naquele quarto tão cuidadosamente fechado.

Havia já cerca de dez minutos que a enfermeira se retirara.

Valentine, presa havia uma hora da febre que a assaltava todas as noites. deixava a cabeça, insubmissa à sua vontade, continuar o trabalho activo, monótono e implacável do cérebro, que se esgota a reproduzir incessantemente os mesmos pensamentos ou a conceber as mesmas imagens.

Da mecha da lamparina partiam milhares e milhares de irradiações, todas impregnadas de significados estranhos, quando de súbito, à sua chama trémula, Valentine julgou ver a sua estante, colocada ao lado da chaminé, numa cavidade da parede, abrir-se lentamente sem que os gonzos em que parecia girar produzissem o mais pequeno ruído.

Noutra altura, Valentine teria pegado na campainha e puxado o cordão de seda a pedir socorro; mas já nada a surpreendia, na situação em que se encontrava. Tinha consciência de que todas as visões que a rodeavam eram fruto do seu delírio e esta convicção arraigara-se-lhe depois de verificar que, de manhã, nunca restava qualquer vestígio dos fantasmas da noite, que desapareciam ao amanhecer.

Atrás da porta apareceu uma figura humana.

Devido à febre, Valentine estava demasiado familiarizada com semelhantes aparições para se assustar; arregalou apenas os olhos, esperando reconhecer Morrel.

A figura continuou a aproximar-se da cama e depois parou e pareceu escutar com profunda atenção.





Os capítulos deste livro

Marselha - A Chegada 1 O pai e o filho 8 Os Catalães 14 A Conspiração 23 O banquete de noivado 28 O substituto do Procurador Régio 38 O interrogatório 47 O Castelo de If 57 A festa de noivado 66 Os Cem Dias 89 O número 34 e o número 27 106 Um sábio italiano 120 A cela do abade 128 O Tesouro 143 O terceiro ataque 153 O cemitério do Castelo de If 162 A Ilha de Tiboulen 167 Os contrabandistas 178 A ilha de Monte-Cristo 185 Deslumbramento 192 O desconhecido 200 A Estalagem da Ponte do Gard 206 O relato 217 Os registos das prisões 228 Acasa Morrel 233 O 5 de Stembro 244 Itália - Simbad, o marinheiro 257 Despertar 278 Bandidos Romanos 283 Aparição 309 A Mazzolata 327 O Carnaval de Roma 340 As Catacumbas de São Sebastião 356 O encontro 369 Os convivas 375 O almoço 392 A apresentação 403 O Sr. Bertuccio 415 A Casa de Auteuil 419 A vendetta 425 A chuva de sangue 444 O crédito ilimitado 454 A parelha pigarça 464 Ideologia 474 Haydée 484 A família Morrel 488 Píramo e Tisbe 496 Toxicologia 505 Roberto, o diabo 519 A alta e a baixa 531 O major Cavalcanti 540 Andrea Cavalcanti 548 O campo de Luzerna 557 O Sr. Noirtier de Villefort 566 O testamento 573 O telégrafo 580 Meios de livrar um jardineiro dos ratos-dos-pomares que lhe comem os pêssegos 588 Os fantasmas 596 O jantar 604 O mendigo 613 Cena conjugal 620 Projetos de casamento 629 No gabinete do Procurador Régio 637 Um baile de Verão 647 As informações 653 O baile 661 O pão e o sal 668 A Sra. de Saint-Méran 672 A promessa 682 O jazigo da família Villefort 705 A ata da sessão 713 Os progressos de Cavalcanti filho 723 Haydée 732 Escrevem-nos de Janina 748 A limonada 762 A acusação 771 O quarto do padeiro reformado 776 O assalto 790 A mão de Deus 801 Beauchamp 806 A viagem 812 O julgamento 822 A provocação 834 O insulto 840 A Noite 848 O duelo 855 A mãe e o filho 865 O suicídio 871 Valentine 879 A confissão 885 O pai e a filha 895 O contrato 903 A estrada da Bélgica 912 A estalagem do sino e da garrafa 917 A lei 928 A aparição 937 Locusta 943 Valentine 948 Maximilien 953 A assinatura de Danglars 961 O Cemitério do Père-lachaise 970 A partilha 981 O covil dos leões 994 O juiz 1001 No tribunal 1009 O libelo acusatório 1014 Expiação 1021 A partida 1028 O passado 1039 Peppino 1049 A ementa de Luigi Vampa 1058 O Perdão 1064 O 5 de Outubro 1069