A Queda de um Anjo - Cap. 23: Capítulo 23 Pág. 128 / 207

— Eu, quando ouvi parar uma carruagem, cuidei que era V. Exa. e vim abrir as portas do escritório. A senhora veio subindo, e puxou à campainha. Eu espreitei lá de cima, e, a falar a verdade, lembrei-me se seria a sua esposa, que lhe quisesse fazer uma agradável surpresa. Perguntou-me ela pelo Sr. Barbuda de Benevides, e foi entrando comigo para a sala. Levantou o véu, e disse: «Não está em casa?» Que voz, Sr. morgado, que voz de criatura aquela!

— E isso a que horas foi? — atalhou Calisto. — Era por noite alta?

— Não, meu senhor. Eram seis horas da tarde. V. Exa. tornou às oito, mas saiu logo; e, quando eu voltei de fazer uma visita, já o não achei para lhe dar esta notícia.

— E depois, a senhora que mais disse?

— Mostrou-se pesarosa de o não encontrar, e prometeu de voltar hoje às três horas.

— E a Sra. D. Tomásia saberá o que me quer essa dama?

— Não sei; o que ela somente disse foi que V. Exa. era um génio.

— Pois ela disse-lhe isso sem mais nem menos?

— Foi a respeito de ver aqui estes livros muito grandes, acho eu. Esteve a reparar neles com uma luneta… E a graça com que ela punha a luneta!… Mulher assim!… Os homens às vezes, por mais asneiras que façam, têm desculpa!…

— As paixões, minha Sra. D. Tomásia… — obtemperou o morgado, e lambeu os beiços molhados da libação de um vinho nervoso daquela garrafeira já mencionada. E prosseguiu! — As paixões do amor!… Nem os grandes sábios, nem os grandes santos se isentaram delas. Somos todos de quebradiço barro; somos uns pucarinhos de Estremoz nas mãos infantis das mulheres.





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