- E se perverteu... - atalhou rancoroso o cego.
- Mentiram-lhe, fidalgo; ela não praticou ação má senão a de querer ser esposa dum pobre.
- Não sabes nada, pedaço de asno. Tenho ali uma carta de minha irmã Beatriz.
- Bem sei, meu senhor.
- Sabes? quem to disse?
- A Sr.ª D. Ângela.
- Quem lha mostrou?
- Viu-a ela, quando escreveu a vossa excelência uma carta sobre a sua escrivaninha. Essa carta diz que os criados da senhora sua irmã, a quem Deus perdoe, tinham arrancado a fidalga dos braços do tal filho do sacristão. Era uma mentira de clamar vingança aos anjos. Sua excelentíssima filha, quando, desesperada, procurara o tal homem, não o encontrou, tinha saído para o Porto.
- Quem to contou?
- Vitorina, que saiu de Gondar com a Sr.ª D. Ângela, quando tinha dois anos; o próprio capelão, e todos os criados da Sr.ª D. Beatriz, que lá está onde as contas são apertadas.
- Por que não disseste isso até hoje?
- Porque vossa excelência se desesperava assim que eu começava a falar na Sr.ª D. Ângela, e depois...
- Depois o que?... Não respondes?!
- Vossa excelência começava a dizer que via a mãe da menina, e a sacudir os braços que me fazia terror.
- Está bom! Está bom! - murmurava guturalmente o velho, procurando com as mãos trémulas a boca do criado.
E recaía na concentrada prostração que durava horas e dias.
Uma vez, o general acordou de sobressalto, por noite fora, chamou João Pedro com aflição, e disse-lhe:
- Quem anda na casa?
- Ninguém, senhor... Serão os ratos que os há nela de tamanho de leitões.
- Não mangues comigo, João!
- Ó fidalgo! Eu mangar com vossa excelência!.