O Conde de Monte Cristo - Cap. 110: O libelo acusatório Pág. 1017 / 1080

Dez pessoas afadigavam-se junto do Sr. Procurador Régio, semi-esmagado na sua poltrona, e enchiam-no de palavras de conforto e encorajamento e de protestos de zelo e simpatia.

A calma restabelecera-se na sala, exceptuando num ponto onde um grupo bastante numeroso se agitava e cochichava.

Dizia-se que uma mulher acabava de desmaiar; tinham-na feito respirar sais e voltara a si.

Durante o tumulto, Andrea virara-se sorridente para o público. Por fim, colocara uma das mãos na balaustrada de carvalho do seu lugar, numa atitude deveras graciosa, e dissera:

- Meus senhores, Deus não permitiria que me atrevesse a insultar o tribunal e a armar na presença do respeitável público um escândalo inútil. Perguntaram me que idade tinha e eu disse-o; perguntaram-me onde nasci e eu respondi; perguntaram-me o meu nome e eu não o posso dizer, porque os meus pais abandonaram-me. Mas posso, sem dizer o meu nome, porque o não sei, dizer o do meu pai. Ora, repito, o meu pai é o Sr. de Villefort e estou pronto a prová-lo.

Havia no tom do jovem uma certeza, uma convicção, uma energia, que reduziram o tumulto ao silêncio. Os olhares dirigiram-se por um momento para o procurador régio, que conservava no seu lugar a imobilidade de um homem que o raio acabasse de transformar em cadáver.

- Meus senhores - continuou Andrea, impondo silêncio com o gesto e com a voz -, devo-lhes a prova e a explicação das minhas palavras.

- Mas - gritou o presidente, irritado - o réu declarou na instrução chamar-se Benedetto, disse ser órfão e deu a Córsega como sua pátria! - Disse na instrução o que me conveio dizer na instrução, pois não queria que diminuíssem ou impedissem, o que não deixaria de acontecer, a repercussão solene que pretendia dar às minhas palavras. Agora repito-lhes que nasci em Auteuil na noite de 27 para 28 de Setembro de 1817 e que sou filho do Sr. Procurador Régio Villefort. Querem pormenores?

»Nasci no primeiro andar da casa número 28 da Rua da Fontaine, num quarto forrado de damasco vermelho. O meu pai tomou-me nos braços dizendo à minha mãe que eu estava morto, enrolou-me numa toalha marcada com um H e um N e levou-me para o jardim, onde me enterrou vivo.

Um arrepio percorreu todos os presentes quando viram que a segurança do réu crescia a par do pânico do Sr. de Villefort.

- Mas como sabe o réu todos esses pormenores? - perguntou o presidente.

- Vou dizer-lho, Sr. Presidente. No jardim onde o meu pai acabava de me enterrar introduzira-se naquela mesma noite um homem que o odiava mortalmente e que o perseguia havia muito tempo para se vingar nele à maneira corsa. O homem estava escondido num maciço, viu o meu pai enterrar qualquer coisa e apunhalou-o no meio dessa operação.





Os capítulos deste livro

Marselha - A Chegada 1 O pai e o filho 8 Os Catalães 14 A Conspiração 23 O banquete de noivado 28 O substituto do Procurador Régio 38 O interrogatório 47 O Castelo de If 57 A festa de noivado 66 Os Cem Dias 89 O número 34 e o número 27 106 Um sábio italiano 120 A cela do abade 128 O Tesouro 143 O terceiro ataque 153 O cemitério do Castelo de If 162 A Ilha de Tiboulen 167 Os contrabandistas 178 A ilha de Monte-Cristo 185 Deslumbramento 192 O desconhecido 200 A Estalagem da Ponte do Gard 206 O relato 217 Os registos das prisões 228 Acasa Morrel 233 O 5 de Stembro 244 Itália - Simbad, o marinheiro 257 Despertar 278 Bandidos Romanos 283 Aparição 309 A Mazzolata 327 O Carnaval de Roma 340 As Catacumbas de São Sebastião 356 O encontro 369 Os convivas 375 O almoço 392 A apresentação 403 O Sr. Bertuccio 415 A Casa de Auteuil 419 A vendetta 425 A chuva de sangue 444 O crédito ilimitado 454 A parelha pigarça 464 Ideologia 474 Haydée 484 A família Morrel 488 Píramo e Tisbe 496 Toxicologia 505 Roberto, o diabo 519 A alta e a baixa 531 O major Cavalcanti 540 Andrea Cavalcanti 548 O campo de Luzerna 557 O Sr. Noirtier de Villefort 566 O testamento 573 O telégrafo 580 Meios de livrar um jardineiro dos ratos-dos-pomares que lhe comem os pêssegos 588 Os fantasmas 596 O jantar 604 O mendigo 613 Cena conjugal 620 Projetos de casamento 629 No gabinete do Procurador Régio 637 Um baile de Verão 647 As informações 653 O baile 661 O pão e o sal 668 A Sra. de Saint-Méran 672 A promessa 682 O jazigo da família Villefort 705 A ata da sessão 713 Os progressos de Cavalcanti filho 723 Haydée 732 Escrevem-nos de Janina 748 A limonada 762 A acusação 771 O quarto do padeiro reformado 776 O assalto 790 A mão de Deus 801 Beauchamp 806 A viagem 812 O julgamento 822 A provocação 834 O insulto 840 A Noite 848 O duelo 855 A mãe e o filho 865 O suicídio 871 Valentine 879 A confissão 885 O pai e a filha 895 O contrato 903 A estrada da Bélgica 912 A estalagem do sino e da garrafa 917 A lei 928 A aparição 937 Locusta 943 Valentine 948 Maximilien 953 A assinatura de Danglars 961 O Cemitério do Père-lachaise 970 A partilha 981 O covil dos leões 994 O juiz 1001 No tribunal 1009 O libelo acusatório 1014 Expiação 1021 A partida 1028 O passado 1039 Peppino 1049 A ementa de Luigi Vampa 1058 O Perdão 1064 O 5 de Outubro 1069