O Conde de Monte Cristo - Cap. 17: A cela do abade Pág. 129 / 1080

- Veja - disse-lhe ele -, está tudo aqui. Há mais ou menos oito dias que escrevi a palavra «fim» no fundo da sexagésima oitava tira. Para as fazer rasguei duas das minhas camisas e todos os lenços que possuía. Se algum dia voltar a ser livre e houver em toda a Itália um editor que se atreva a editar-me a minha reputação está feita.

- Claro, bem vejo - respondeu Dantès. - E agora mostre-me, peço-lhe, as penas com que escreveu esta obra.

- Veja - disse Faria.

E mostrou ao jovem uma hastezinha de seis polegadas de comprimento e da grossura do cabo de um pincel, na extremidade e à volta do qual se encontrava ligada por uma linha uma das tais cartilagens, ainda suja de tinta, de que o abade falara a Dantès. Era alongada em bico e tendida como uma pena vulgar.

Dantès examinou-a e procurou com a vista o instrumento com que pudera ser talhada tão correctamente.

- Ah, sim! - disse Faria. - O canivete, não é verdade? É a minha obra-prima. Fi-lo, assim como esta faca, de um velho castiçal de ferro.

O canivete cortava como uma navalha de barba. Quanto à faca, tinha a vantagem de poder servir ao mesmo tempo de faca e punhal.

Dantès examinou os diversos objectos com a mesma atenção com que nas lojas de curiosidades de Marselha examinara noutros tempos, vezes, instrumentos executados por selvagens e trazidos dos mares do Sul pelos comandantes de longo curso.

- Quanto à tinta - disse Faria -, já sabe como procedo. Faço-a à medida que preciso dela.

- Agora há ainda uma coisa que me admira - declarou Dantès - que os dias lhe tenham chegado para fazer tudo isso.

- Também tinha as noites - respondeu Faria.

- As noites? Não me diga que é da natureza dos gatos e vê claro durante a noite!

- Não, mas Deus deu, ao homem a inteligência para o compensar da pobreza dos sentidos. Arranjei luz.

- Como?

- Retiro a gordura da carne que me dão, derreto-a e obtenho assim uma espécie de óleo grosso. Olhe, aqui tem a minha vela.

E o abade mostrou a Dantès uma espécie de lampião semelhante aos da iluminação pública.

- Mas o lume?

- Aqui tem duas pedras e pano queimado.

- E as acendalhas?

- Simulei uma doença de pele e pedi enxofre, que me deram.

Dantès pousou os objectos que tinha na mão em cima da mesa e baixou a cabeça, esmagado pela perseverança e pela força daquele espírito.

- Mas isto não, é tudo - continuou Faria. - Não devemos guardar todos os nossos tesouros num único esconderijo. Fechemos este.

Empurraram a laje para o seu lugar. O abade espalhou um pouco de pó por cima dela e depois passou com o pé para fazer desaparecer qualquer vestígio de solução de continuidade, dirigiu-se para a cama e afastou-a.





Os capítulos deste livro

Marselha - A Chegada 1 O pai e o filho 8 Os Catalães 14 A Conspiração 23 O banquete de noivado 28 O substituto do Procurador Régio 38 O interrogatório 47 O Castelo de If 57 A festa de noivado 66 Os Cem Dias 89 O número 34 e o número 27 106 Um sábio italiano 120 A cela do abade 128 O Tesouro 143 O terceiro ataque 153 O cemitério do Castelo de If 162 A Ilha de Tiboulen 167 Os contrabandistas 178 A ilha de Monte-Cristo 185 Deslumbramento 192 O desconhecido 200 A Estalagem da Ponte do Gard 206 O relato 217 Os registos das prisões 228 Acasa Morrel 233 O 5 de Stembro 244 Itália - Simbad, o marinheiro 257 Despertar 278 Bandidos Romanos 283 Aparição 309 A Mazzolata 327 O Carnaval de Roma 340 As Catacumbas de São Sebastião 356 O encontro 369 Os convivas 375 O almoço 392 A apresentação 403 O Sr. Bertuccio 415 A Casa de Auteuil 419 A vendetta 425 A chuva de sangue 444 O crédito ilimitado 454 A parelha pigarça 464 Ideologia 474 Haydée 484 A família Morrel 488 Píramo e Tisbe 496 Toxicologia 505 Roberto, o diabo 519 A alta e a baixa 531 O major Cavalcanti 540 Andrea Cavalcanti 548 O campo de Luzerna 557 O Sr. Noirtier de Villefort 566 O testamento 573 O telégrafo 580 Meios de livrar um jardineiro dos ratos-dos-pomares que lhe comem os pêssegos 588 Os fantasmas 596 O jantar 604 O mendigo 613 Cena conjugal 620 Projetos de casamento 629 No gabinete do Procurador Régio 637 Um baile de Verão 647 As informações 653 O baile 661 O pão e o sal 668 A Sra. de Saint-Méran 672 A promessa 682 O jazigo da família Villefort 705 A ata da sessão 713 Os progressos de Cavalcanti filho 723 Haydée 732 Escrevem-nos de Janina 748 A limonada 762 A acusação 771 O quarto do padeiro reformado 776 O assalto 790 A mão de Deus 801 Beauchamp 806 A viagem 812 O julgamento 822 A provocação 834 O insulto 840 A Noite 848 O duelo 855 A mãe e o filho 865 O suicídio 871 Valentine 879 A confissão 885 O pai e a filha 895 O contrato 903 A estrada da Bélgica 912 A estalagem do sino e da garrafa 917 A lei 928 A aparição 937 Locusta 943 Valentine 948 Maximilien 953 A assinatura de Danglars 961 O Cemitério do Père-lachaise 970 A partilha 981 O covil dos leões 994 O juiz 1001 No tribunal 1009 O libelo acusatório 1014 Expiação 1021 A partida 1028 O passado 1039 Peppino 1049 A ementa de Luigi Vampa 1058 O Perdão 1064 O 5 de Outubro 1069