O Conde de Monte Cristo - Cap. 17: A cela do abade Pág. 135 / 1080

- Pode presumir que o seu substituto tivesse algum interesse em que a carta desaparecesse?

- Talvez: porque me fez prometer duas ou três vezes, no meu interesse, dizia ele, não falar a ninguém na carta, e obrigou-me a jurar que não pronunciaria o nome inscrito no endereço.

- Noirtier... - repetiu o abade. - Noirtier... Conheci um Noirtier na corte da antiga rainha da Etrúria, um Noirtier que fora girondino durante a Revolução. Como se chamava o seu substituto?

- Villefort

O abade desatou a rir. Dantès olhou-o estupefacto.

- Que tem o senhor? - perguntou.

- Vê esse raio de luz? - inquiriu o abade.

- Vejo.

- Pois bem, agora é tudo mais claro para mim do que esse raio transparente e luminoso. Pobre criança, pobre rapaz! E esse magistrado foi bom para si?

- Foi

- Esse digno substituto queimou, destruiu a carta?

- Sim.

- Esse honesto fornecedor do carrasco obrigou-o a jurar que nunca mais pronunciaria o nome de Noirtier?

- Obrigou.

- Esse Noirtier, pobre cego, sabe quem era esse Noirtier? Esse Noirtier era o pai dele!

Um raio que tivesse caído aos pés de Dantès e cavado um abismo no fundo do qual se abrisse o Inferno, ter-lhe-ia produzido efeito menos rápido, menos eléctrico, menos esmagador, do que aquelas palavras inesperadas. Levantou-se e agarrou a cabeça com as mãos, como se quisesse impedi-la de rebentar.

- Seu pai! Seu pai! - gritou.

- Sim, seu pai, que se chama Noirtier de Villefort - acrescentou o abade.

Então uma luz fulgurante atravessou o cérebro do prisioneiro e tudo o que até ali lhe parecera obscuro foi de súbito iluminado por uma claridade deslumbrante. As tergiversações de Villefort durante o interrogatório, a carta destruída, o juramento exigido, a voz quase suplicante do magistrado que, em vez de ameaçar, parecia implorar, tudo lhe veio à memória. Soltou um grito e cambaleou um instante como um homem ébrio. Depois, correu para a abertura que conduzia da cela do abade à sua dizendo:

- Oh, preciso de estar só para pensar em tudo isso!

Mal chegou à sua masmorra atirou-se para cima da cama, onde o carcereiro o encontrou à tardinha, sentado, de olhos fixos e as feições contraídas, imóvel e mudo como uma estátua.

Durante as horas de meditação que entretanto tinham passado como segundos tomara uma terrível resolução e fizera um formidável juramento. Uma voz arrancou Dantès ao seu devaneio; a do abade Faria que, tendo recebido por sua vez a visita do carcereiro, vinha convidar Dantès para jantar com ele. A sua qualidade de louco reconhecido e sobretudo de louco divertido valia ao velho prisioneiro alguns privilégios, como o de receber pão um pouco mais branco e uma garrafinha de vinho ao domingo.





Os capítulos deste livro

Marselha - A Chegada 1 O pai e o filho 8 Os Catalães 14 A Conspiração 23 O banquete de noivado 28 O substituto do Procurador Régio 38 O interrogatório 47 O Castelo de If 57 A festa de noivado 66 Os Cem Dias 89 O número 34 e o número 27 106 Um sábio italiano 120 A cela do abade 128 O Tesouro 143 O terceiro ataque 153 O cemitério do Castelo de If 162 A Ilha de Tiboulen 167 Os contrabandistas 178 A ilha de Monte-Cristo 185 Deslumbramento 192 O desconhecido 200 A Estalagem da Ponte do Gard 206 O relato 217 Os registos das prisões 228 Acasa Morrel 233 O 5 de Stembro 244 Itália - Simbad, o marinheiro 257 Despertar 278 Bandidos Romanos 283 Aparição 309 A Mazzolata 327 O Carnaval de Roma 340 As Catacumbas de São Sebastião 356 O encontro 369 Os convivas 375 O almoço 392 A apresentação 403 O Sr. Bertuccio 415 A Casa de Auteuil 419 A vendetta 425 A chuva de sangue 444 O crédito ilimitado 454 A parelha pigarça 464 Ideologia 474 Haydée 484 A família Morrel 488 Píramo e Tisbe 496 Toxicologia 505 Roberto, o diabo 519 A alta e a baixa 531 O major Cavalcanti 540 Andrea Cavalcanti 548 O campo de Luzerna 557 O Sr. Noirtier de Villefort 566 O testamento 573 O telégrafo 580 Meios de livrar um jardineiro dos ratos-dos-pomares que lhe comem os pêssegos 588 Os fantasmas 596 O jantar 604 O mendigo 613 Cena conjugal 620 Projetos de casamento 629 No gabinete do Procurador Régio 637 Um baile de Verão 647 As informações 653 O baile 661 O pão e o sal 668 A Sra. de Saint-Méran 672 A promessa 682 O jazigo da família Villefort 705 A ata da sessão 713 Os progressos de Cavalcanti filho 723 Haydée 732 Escrevem-nos de Janina 748 A limonada 762 A acusação 771 O quarto do padeiro reformado 776 O assalto 790 A mão de Deus 801 Beauchamp 806 A viagem 812 O julgamento 822 A provocação 834 O insulto 840 A Noite 848 O duelo 855 A mãe e o filho 865 O suicídio 871 Valentine 879 A confissão 885 O pai e a filha 895 O contrato 903 A estrada da Bélgica 912 A estalagem do sino e da garrafa 917 A lei 928 A aparição 937 Locusta 943 Valentine 948 Maximilien 953 A assinatura de Danglars 961 O Cemitério do Père-lachaise 970 A partilha 981 O covil dos leões 994 O juiz 1001 No tribunal 1009 O libelo acusatório 1014 Expiação 1021 A partida 1028 O passado 1039 Peppino 1049 A ementa de Luigi Vampa 1058 O Perdão 1064 O 5 de Outubro 1069