O Conde de Monte Cristo - Cap. 20: O cemitério do Castelo de If Pág. 162 / 1080

Capítulo XX - O cemitério do Castelo de If

Em cima da cama, estendido no sentido do comprimento e fracamente iluminado por uma luz brumosa que penetrava através da janela, via-se um saco de pano grosseiro, debaixo de cujas amplas pregas se desenhava confusamente uma forma longa e rígida. Era a mortalha de Faria, essa mortalha que, no dizer dos carcereiros, era tão barata. Assim, estava tudo acabado.

Entre Dantès e o seu velho amigo existia já uma separação material e era-lhe impossível voltar a ver-lhe os olhos, esses olhos que tinham ficado abertos como que para verem para além da morte. Também não poderia apertar mais a mão industriosa que lhe erguera o véu que cobria tanta coisa oculta. Faria, o útil, o bom companheiro a quem se afeiçoara tão profundamente já só existia na sua memória. Então, sentou-se à cabeceira daquela cama terrível e mergulhou em sombria e amarga melancolia.

Só! Voltara a ficar só! Tornara a cair no silêncio! Encontrava-se de novo diante do nada!

Só! Sem sequer a vista, sem sequer a voz do único ser humano que o prendia ainda à terra! Não seria preferível fazer como Faria, abalar, ir pedir a Deus a revelação do enigma da vida, embora correndo o risco de passar pela porta lúgubre do sofrimento?

A ideia do suicídio, expulsa pelo amigo, afastada pela sua presença, voltou então a erguer-se como um fantasma junto do cadáver de Faria.

- Se morresse - disse -, iria para onde ele foi e com certeza o encontraria. Mas como morrer? É muito fácil - acrescentou rindo. - Fico aqui e atiro-me ao primeiro que entrar. Estrangulo-o e serei guilhotinado.

Mas como acontece que, nas grandes dores como nas grandes tempestades, o abismo se encontra entre duas vagas. Dantès recuou perante a ideia dessa morte infamante e passou precipitadamente do desespero a uma ânsia ardente de vida e liberdade.

- Morrer! Oh, não! - exclamou. - Não teria valido a pena viver tanto, sofrer tanto para morrer agora! Morrer era bom quando da outra vez tomei essa resolução, há anos. Mas agora seria realmente demasiado ajudar o meu miserável destino. Não, quero viver e lutar até ao fim! Não, quero reconquistar a felicidade que me roubaram! Antes de pensar em morrer não devo esquecer que tenho de punir os meus carrascos e talvez também (quem sabe?) de recompensar alguns amigos. Mas agora vão-me esquecer aqui e só sairei da minha masmorra como Faria.

Mal, porem, acabou de proferir estas últimas palavras Edmond ficou imóvel, de olhos fixos, como um homem a quem ocorreu uma ideia súbita, mas a quem essa ideia assusta.





Os capítulos deste livro

Marselha - A Chegada 1 O pai e o filho 8 Os Catalães 14 A Conspiração 23 O banquete de noivado 28 O substituto do Procurador Régio 38 O interrogatório 47 O Castelo de If 57 A festa de noivado 66 Os Cem Dias 89 O número 34 e o número 27 106 Um sábio italiano 120 A cela do abade 128 O Tesouro 143 O terceiro ataque 153 O cemitério do Castelo de If 162 A Ilha de Tiboulen 167 Os contrabandistas 178 A ilha de Monte-Cristo 185 Deslumbramento 192 O desconhecido 200 A Estalagem da Ponte do Gard 206 O relato 217 Os registos das prisões 228 Acasa Morrel 233 O 5 de Stembro 244 Itália - Simbad, o marinheiro 257 Despertar 278 Bandidos Romanos 283 Aparição 309 A Mazzolata 327 O Carnaval de Roma 340 As Catacumbas de São Sebastião 356 O encontro 369 Os convivas 375 O almoço 392 A apresentação 403 O Sr. Bertuccio 415 A Casa de Auteuil 419 A vendetta 425 A chuva de sangue 444 O crédito ilimitado 454 A parelha pigarça 464 Ideologia 474 Haydée 484 A família Morrel 488 Píramo e Tisbe 496 Toxicologia 505 Roberto, o diabo 519 A alta e a baixa 531 O major Cavalcanti 540 Andrea Cavalcanti 548 O campo de Luzerna 557 O Sr. Noirtier de Villefort 566 O testamento 573 O telégrafo 580 Meios de livrar um jardineiro dos ratos-dos-pomares que lhe comem os pêssegos 588 Os fantasmas 596 O jantar 604 O mendigo 613 Cena conjugal 620 Projetos de casamento 629 No gabinete do Procurador Régio 637 Um baile de Verão 647 As informações 653 O baile 661 O pão e o sal 668 A Sra. de Saint-Méran 672 A promessa 682 O jazigo da família Villefort 705 A ata da sessão 713 Os progressos de Cavalcanti filho 723 Haydée 732 Escrevem-nos de Janina 748 A limonada 762 A acusação 771 O quarto do padeiro reformado 776 O assalto 790 A mão de Deus 801 Beauchamp 806 A viagem 812 O julgamento 822 A provocação 834 O insulto 840 A Noite 848 O duelo 855 A mãe e o filho 865 O suicídio 871 Valentine 879 A confissão 885 O pai e a filha 895 O contrato 903 A estrada da Bélgica 912 A estalagem do sino e da garrafa 917 A lei 928 A aparição 937 Locusta 943 Valentine 948 Maximilien 953 A assinatura de Danglars 961 O Cemitério do Père-lachaise 970 A partilha 981 O covil dos leões 994 O juiz 1001 No tribunal 1009 O libelo acusatório 1014 Expiação 1021 A partida 1028 O passado 1039 Peppino 1049 A ementa de Luigi Vampa 1058 O Perdão 1064 O 5 de Outubro 1069