O Conde de Monte Cristo - Cap. 29: Acasa Morrel Pág. 233 / 1080

Capítulo XXIX - A casa Morrel

Quem tivesse deixado Marselha alguns anos antes e conhecesse o interior da casa Morrel, teria encontrado uma grande mudança se regressasse e a visse na época a que chegámos.

Em vez do ar de vida, abastança e felicidade que se exala, por assim dizer, de uma casa próspera; em vez de caras alegres mostrando-se por detrás das cortinas das janelas e de escriturários atarefados atravessando os corredores de pena atrás da orelha; em vez do pátio a abarrotar de fardos e cheio de gritos e risos dos carregadores, encontraria à primeira vista não sei quê de triste e de morto. No corredor deserto e no pátio vazio, dos numerosos empregados que outrora enchiam os escritórios, só dois restavam: um era um rapaz de vinte e três ou vinte e quatro anos, chamado Emmanuel Raymond, que estava apaixonado pela filha de Morrel e que ficara e ficaria na casa fizessem o que fizessem os pais para o tirar de lá; o outro era um velho cobrador zarolho chamado Coclès, alcunha que lhe tinham posto os rapazes que povoavam outrora aquela grande colmeia zumbidora, hoje quase desabitada, e que substituíra tão bem e tão completamente o seu verdadeiro nome que havia todas as probabilidades de nem sequer se virar se alguém o chamasse actualmente por esse nome.

Coclès permanecera ao serviço do Sr. Morrel, embora se tivesse verificado na situação do excelente homem uma mudança singular: subira ao mesmo tempo ao posto de tesoureiro e descera à categoria de criado.

Mas nem por isso deixara de ser o mesmo Coclès, bom paciente e dedicado, embora inflexível a respeito da aritmética, o único ponto em que não recearia enfrentar o mundo inteiro, mesmo o Sr. Morrel. Só conhecia a sua tábua de Pitágoras, que sabia na ponta da unha, fosse qual fosse a forma como lha virassem e o erro em que tentassem fazê-lo cair.

No meio da tristeza geral que invadira a casa Morrel, Coclès era o único que permanecia impassível. Mas que ninguém se engane a tal respeito: essa impassibilidade não era consequência de falta de amizade, mas sim, pelo contrário, de uma convicção inquebrantável. Como os ratos que, segundo dizem, abandonam pouco a pouco o navio antecipadamente, condenado pelo destino a perecer no mar, de maneira que esses hóspedes egoístas já o deixaram por completo no momento em que levanta ferro, também, como dissemos, toda a multidão de escriturários e empregados que ganhavam a vida em casa do armador tinham pouco a pouco abandonado o escritório e o armazém.





Os capítulos deste livro

Marselha - A Chegada 1 O pai e o filho 8 Os Catalães 14 A Conspiração 23 O banquete de noivado 28 O substituto do Procurador Régio 38 O interrogatório 47 O Castelo de If 57 A festa de noivado 66 Os Cem Dias 89 O número 34 e o número 27 106 Um sábio italiano 120 A cela do abade 128 O Tesouro 143 O terceiro ataque 153 O cemitério do Castelo de If 162 A Ilha de Tiboulen 167 Os contrabandistas 178 A ilha de Monte-Cristo 185 Deslumbramento 192 O desconhecido 200 A Estalagem da Ponte do Gard 206 O relato 217 Os registos das prisões 228 Acasa Morrel 233 O 5 de Stembro 244 Itália - Simbad, o marinheiro 257 Despertar 278 Bandidos Romanos 283 Aparição 309 A Mazzolata 327 O Carnaval de Roma 340 As Catacumbas de São Sebastião 356 O encontro 369 Os convivas 375 O almoço 392 A apresentação 403 O Sr. Bertuccio 415 A Casa de Auteuil 419 A vendetta 425 A chuva de sangue 444 O crédito ilimitado 454 A parelha pigarça 464 Ideologia 474 Haydée 484 A família Morrel 488 Píramo e Tisbe 496 Toxicologia 505 Roberto, o diabo 519 A alta e a baixa 531 O major Cavalcanti 540 Andrea Cavalcanti 548 O campo de Luzerna 557 O Sr. Noirtier de Villefort 566 O testamento 573 O telégrafo 580 Meios de livrar um jardineiro dos ratos-dos-pomares que lhe comem os pêssegos 588 Os fantasmas 596 O jantar 604 O mendigo 613 Cena conjugal 620 Projetos de casamento 629 No gabinete do Procurador Régio 637 Um baile de Verão 647 As informações 653 O baile 661 O pão e o sal 668 A Sra. de Saint-Méran 672 A promessa 682 O jazigo da família Villefort 705 A ata da sessão 713 Os progressos de Cavalcanti filho 723 Haydée 732 Escrevem-nos de Janina 748 A limonada 762 A acusação 771 O quarto do padeiro reformado 776 O assalto 790 A mão de Deus 801 Beauchamp 806 A viagem 812 O julgamento 822 A provocação 834 O insulto 840 A Noite 848 O duelo 855 A mãe e o filho 865 O suicídio 871 Valentine 879 A confissão 885 O pai e a filha 895 O contrato 903 A estrada da Bélgica 912 A estalagem do sino e da garrafa 917 A lei 928 A aparição 937 Locusta 943 Valentine 948 Maximilien 953 A assinatura de Danglars 961 O Cemitério do Père-lachaise 970 A partilha 981 O covil dos leões 994 O juiz 1001 No tribunal 1009 O libelo acusatório 1014 Expiação 1021 A partida 1028 O passado 1039 Peppino 1049 A ementa de Luigi Vampa 1058 O Perdão 1064 O 5 de Outubro 1069