O horizonte ia-se alargando sempre, mas não esse horizonte sombrio sobre o qual pairava um vago terror e que vira antes de adormecer, mas sim um horizonte azul, transparente, vasto, com tudo o que o mar tem de azul com tudo o que o Sol tem de palhetas, com tudo o que a brisa tem de perfumes. Depois, no meio dos cantos dos seus marinheiros - cantos tão límpidos e tão cristalinos que com eles se comporia uma harmonia divina se fosse possível anotá-los -, via aparecer a ilha de Monte-Cristo, não como um escolho ameaçador sobre as vagas, mas sim como um oásis perdido no deserto. Em seguida, à medida que a embarcação se aproximava, os cantos tornavam-se mais numerosos, porque uma harmonia encantadora e misteriosa subia da ilha para Deus, como se alguma fada, como se Lorelei ou um encantador como Anfíon, quisesse atrair para ali uma alma ou ali erguer uma cidade.
Finalmente, a embarcação chegou à margem, mas sem esforço, sem qualquer abalo, como os lábios tocam nos lábios, e ele voltou a entrar na gruta sem que aquela música encantadora cessasse.
Desceu, ou antes, teve a sensação de descer alguns degraus, respirando um ar fresco e perfumado como o que devia envolver a gruta de Circe, composto por perfumes que faziam divagar o espírito e por ardores que queimavam os sentidos, e reviu tudo o que vira antes de adormecer, desde Simbad, o anfitrião fantástico, até Ali, o servo mudo. Em seguida, tudo pareceu desvanecer-se e confundir-se-lhe diante dos olhos, como as derradeiras sombras de uma lanterna mágica que se apaga, e encontrou-se novamente na sala das estátuas, apenas iluminada por uma dessas lâmpadas antigas e pálidas que velam no meio da noite o sono ou a volúpia.
Eram sem dúvida as mesmas estátuas ricas de forma, de luxúria e de poesia, de olhos magnéticos, sorrisos lascivos e cabeleiras opulentas. Eram Frine, Cleópatra e Messalina, essas três grandes cortesãs. Depois, no meio daquelas sombras impudicas deslizava, como um raio puro, como um anjo cristão no meio do Olimpo, uma dessas figuras castas, uma dessas sombras calmas, uma dessas visões suaves que parecia velar a fronte virginal diante de todas aquelas obscenidades de mármore.
Pareceu-lhe então que as três estátuas tinham concentrado os seus três amores num só homem, e que esse homem era ele, que se aproximavam da cama onde dormia segundo sono, com os pés ocultos nas longas túnicas brancas, o colo nu, os cabelos desdobrando-se em ondas, numa dessas poses a que sucumbiam os deuses, mas a que resistiam os santos, com um desses olhares inflexíveis e ardentes como o que a serpente crava na avezinha, e que ele se abandonava a esses olhares pungentes como um abraço e voluptuosos como um beijo.