O Conde de Monte Cristo - Cap. 35: A Mazzolata Pág. 338 / 1080

- Que se passa? - respondeu o conde. - Não compreende bem? Passa-se que aquela criatura humana que vai morrer está furiosa por o seu semelhante não morrer com ela, e se a deixassem à vontade despedaçá-lo-ia com as unhas e com os dentes em vez de o deixar gozar a vida de que ela vai ser privada. Ó homens homens, raça de crocodilos, como diz Karl Moor - gritou o conde, estendendo os punhos para toda aquela multidão. - Como vos reconheço bem aí e como sois sempre bem dignos de vós próprios!

Com efeito, Andrea e os dois ajudantes do carrasco rolavam pelo chão, com o condenado sempre a gritar: «Ele deve morrer, quero que ele morra! Não têm o direito de me matar sozinho!»

- Vejam, vejam - continuou o conde, agarrando cada um dos dois jovens pela mão. - Vejam porque, pela minha alma, é curioso. Eis um homem que estava resignado com a sua morte, que caminhava para o cadafalso, que ia morrer como um cobarde, é certo, mas enfim, ia morrer sem resistência e sem recriminações. Sabem o que lhe dava alguma coragem? Sabem o que o consolava? Sabem o que o levava a aceitar o seu suplício com resignação? O facto de outro compartilhar a sua angústia, de outro ir morrer com ele, de outro ir morrer antes dele! Levem dois carneiros ou dois bois ao matadouro e façam compreender a um deles que o companheiro não morrerá. O carneiro balirá e o boi mugirá de alegria. Mas o homem, o homem que Deus fez à sua imagem; o homem a quem Deus impôs como primeira, única e suprema lei o amor ao próximo; o homem a quem Deus deu voz para exprimir o seu pensamento, qual é o seu primeiro grito quando sabe que o seu camarada está salvo? Uma blasfémia. Honra ao homem, essa obra-prima da Natureza, esse rei da Criação! E o conde desatou a rir, mas com um riso terrível, que indicava que devia ter sofrido horrivelmente para chegar a rir assim.

Entretanto a luta continuava e era qualquer coisa de horrível vê-la. os dois ajudantes transportavam Andrea para o cadafalso. Todo o povo tomara partido contra ele e vinte mil vozes gritavam em uníssono: «à morte! à morte!»

Franz recuou, mas o conde pegou-lhe no braço e reteve-o diante da janela.

- Que faz? - perguntou-lhe. - Piedade? Não haja dúvida que está bem aplicada! Se ouvisse gritar que andava um cão raivoso à solta, pegaria na sua espingarda, correria para a rua e mataria sem misericórdia, à queima-roupa, o pobre animal, que no fim de contas não seria culpado de ter sido mordido por outro cão e de fazer o que lhe fizeram; mas tem piedade de um homem que nenhum outro homem mordeu e que no entanto assassinou o seu benfeitor, e que, não podemos agora matar porque tem as mãos amarradas, quer à viva força ver morrer o seu companheiro de cativeiro, o seu companheiro de infortúnio!





Os capítulos deste livro

Marselha - A Chegada 1 O pai e o filho 8 Os Catalães 14 A Conspiração 23 O banquete de noivado 28 O substituto do Procurador Régio 38 O interrogatório 47 O Castelo de If 57 A festa de noivado 66 Os Cem Dias 89 O número 34 e o número 27 106 Um sábio italiano 120 A cela do abade 128 O Tesouro 143 O terceiro ataque 153 O cemitério do Castelo de If 162 A Ilha de Tiboulen 167 Os contrabandistas 178 A ilha de Monte-Cristo 185 Deslumbramento 192 O desconhecido 200 A Estalagem da Ponte do Gard 206 O relato 217 Os registos das prisões 228 Acasa Morrel 233 O 5 de Stembro 244 Itália - Simbad, o marinheiro 257 Despertar 278 Bandidos Romanos 283 Aparição 309 A Mazzolata 327 O Carnaval de Roma 340 As Catacumbas de São Sebastião 356 O encontro 369 Os convivas 375 O almoço 392 A apresentação 403 O Sr. Bertuccio 415 A Casa de Auteuil 419 A vendetta 425 A chuva de sangue 444 O crédito ilimitado 454 A parelha pigarça 464 Ideologia 474 Haydée 484 A família Morrel 488 Píramo e Tisbe 496 Toxicologia 505 Roberto, o diabo 519 A alta e a baixa 531 O major Cavalcanti 540 Andrea Cavalcanti 548 O campo de Luzerna 557 O Sr. Noirtier de Villefort 566 O testamento 573 O telégrafo 580 Meios de livrar um jardineiro dos ratos-dos-pomares que lhe comem os pêssegos 588 Os fantasmas 596 O jantar 604 O mendigo 613 Cena conjugal 620 Projetos de casamento 629 No gabinete do Procurador Régio 637 Um baile de Verão 647 As informações 653 O baile 661 O pão e o sal 668 A Sra. de Saint-Méran 672 A promessa 682 O jazigo da família Villefort 705 A ata da sessão 713 Os progressos de Cavalcanti filho 723 Haydée 732 Escrevem-nos de Janina 748 A limonada 762 A acusação 771 O quarto do padeiro reformado 776 O assalto 790 A mão de Deus 801 Beauchamp 806 A viagem 812 O julgamento 822 A provocação 834 O insulto 840 A Noite 848 O duelo 855 A mãe e o filho 865 O suicídio 871 Valentine 879 A confissão 885 O pai e a filha 895 O contrato 903 A estrada da Bélgica 912 A estalagem do sino e da garrafa 917 A lei 928 A aparição 937 Locusta 943 Valentine 948 Maximilien 953 A assinatura de Danglars 961 O Cemitério do Père-lachaise 970 A partilha 981 O covil dos leões 994 O juiz 1001 No tribunal 1009 O libelo acusatório 1014 Expiação 1021 A partida 1028 O passado 1039 Peppino 1049 A ementa de Luigi Vampa 1058 O Perdão 1064 O 5 de Outubro 1069