O Conde de Monte Cristo - Cap. 51: Píramo e Tisbe Pág. 500 / 1080

Prometeu-me a amizade de um irmão, a mim que não tenho amigos, a mim que o meu pai esquece, a mim que a minha madrasta persegue, e que só tenho como consolação um velho imóvel, mudo, gelado, cuja mão não me pode apertar a minha que só me pode falar com o olhar e cujo coração bate sem dúvida por mim, consumindo o que lhe resta de calor. Irrisão amarga do destino que me torna inimiga e vítima de todos aqueles que são mais fortes do que eu e que me dá um cadáver por amparo e amigo! Oh, realmente, Maximilien, repito-lhe, sou muito infeliz e tem razão em amar-me por mim e não por si!

- Valentine - disse o jovem, profundamente comovido -, não direi que só a si amo no mundo, porque amo também a minha irmã e o meu cunhado, mas a eles amo-os com um amor terno e calmo, que em nada se parece com o sentimento que experimento por si. Quando penso em si o sangue ferve-me, o peito dilata-se-me, o coração transborda-me. Mas esta energia. este ardor, esta força sobre-humana, utilizá-los-ei a amá-la apenas até ao dia em que me diga que os utilize a servi-la. O Sr. de Epinay estará ausente ainda um ano, dizem; num ano, quantas oportunidades favoráveis poderemos ter, quantos acontecimentos nos poderão secundar! Continuemos portanto a ter esperança; é tão bom e tão doce ter esperança. Mas até agora, que tem sido para mim a Valentine, a Valentine que me censura o meu egoísmo? A bela e fria estátua da Vénus pudica. Em troca desta dedicação, desta obediência, desta renúncia, que me prometeu? Nada. Que me concedeu? Muito pouca coisa. Fala-me do Sr. de Epinay, seu noivo, e suspira perante a ideia de lhe pertencer um dia. Vejamos, Valentine, isso é tudo o que tem na alma? O quê, ofereço-lhe a minha vida, dou-lhe a minha alma, dedico-lhe até à mais insignificante pulsação do meu coração, e quando sou todo seu, quando digo para comigo baixinho que morrerei se a perder, a Valentine nem sequer se assusta perante a ideia de pertencer a outro! Oh, Valentine, Valentine, se estivesse no seu lugar, se me soubesse amado como está certa de que a amo, já cem vezes teria passado a minha mão por entre as grades deste portão e apertado a mão do pobre Maximilien, dizendo-lhe: «Sou sua, só sua, Maximilien, neste mundo e no outro!»

Valentine não respondeu nada, mas o rapaz ouviu-a suspirar e chorar.

A reacção de Maximilien foi imediata.

- Oh, Valentine, Valentine, esqueça as minhas palavras, se há nelas alguma coisa que a possa magoar!

- Não - respondeu ela -, tem razão. Mas não vê que sou uma pobre criatura, abandonada numa casa quase estranha, porque o meu pai é quase um estranho para mim, e cuja vontade tem sido vergada de há dez anos para cá, dia a dia, hora a hora, minuto a minuto, pela vontade de ferro dos amos e senhores que dispõem de mim? Ninguém repara no que sofro e que só a si tenho dito.





Os capítulos deste livro

Marselha - A Chegada 1 O pai e o filho 8 Os Catalães 14 A Conspiração 23 O banquete de noivado 28 O substituto do Procurador Régio 38 O interrogatório 47 O Castelo de If 57 A festa de noivado 66 Os Cem Dias 89 O número 34 e o número 27 106 Um sábio italiano 120 A cela do abade 128 O Tesouro 143 O terceiro ataque 153 O cemitério do Castelo de If 162 A Ilha de Tiboulen 167 Os contrabandistas 178 A ilha de Monte-Cristo 185 Deslumbramento 192 O desconhecido 200 A Estalagem da Ponte do Gard 206 O relato 217 Os registos das prisões 228 Acasa Morrel 233 O 5 de Stembro 244 Itália - Simbad, o marinheiro 257 Despertar 278 Bandidos Romanos 283 Aparição 309 A Mazzolata 327 O Carnaval de Roma 340 As Catacumbas de São Sebastião 356 O encontro 369 Os convivas 375 O almoço 392 A apresentação 403 O Sr. Bertuccio 415 A Casa de Auteuil 419 A vendetta 425 A chuva de sangue 444 O crédito ilimitado 454 A parelha pigarça 464 Ideologia 474 Haydée 484 A família Morrel 488 Píramo e Tisbe 496 Toxicologia 505 Roberto, o diabo 519 A alta e a baixa 531 O major Cavalcanti 540 Andrea Cavalcanti 548 O campo de Luzerna 557 O Sr. Noirtier de Villefort 566 O testamento 573 O telégrafo 580 Meios de livrar um jardineiro dos ratos-dos-pomares que lhe comem os pêssegos 588 Os fantasmas 596 O jantar 604 O mendigo 613 Cena conjugal 620 Projetos de casamento 629 No gabinete do Procurador Régio 637 Um baile de Verão 647 As informações 653 O baile 661 O pão e o sal 668 A Sra. de Saint-Méran 672 A promessa 682 O jazigo da família Villefort 705 A ata da sessão 713 Os progressos de Cavalcanti filho 723 Haydée 732 Escrevem-nos de Janina 748 A limonada 762 A acusação 771 O quarto do padeiro reformado 776 O assalto 790 A mão de Deus 801 Beauchamp 806 A viagem 812 O julgamento 822 A provocação 834 O insulto 840 A Noite 848 O duelo 855 A mãe e o filho 865 O suicídio 871 Valentine 879 A confissão 885 O pai e a filha 895 O contrato 903 A estrada da Bélgica 912 A estalagem do sino e da garrafa 917 A lei 928 A aparição 937 Locusta 943 Valentine 948 Maximilien 953 A assinatura de Danglars 961 O Cemitério do Père-lachaise 970 A partilha 981 O covil dos leões 994 O juiz 1001 No tribunal 1009 O libelo acusatório 1014 Expiação 1021 A partida 1028 O passado 1039 Peppino 1049 A ementa de Luigi Vampa 1058 O Perdão 1064 O 5 de Outubro 1069