Aparentemente, e aos olhos de toda a gente, todos são bons e afectuosos para comigo; mas na realidade todos me são hostis. As pessoas dizem: «O Sr. de Villefort é demasiado grave e severo para ser terno com a filha, mas ela teve ao menos a felicidade de encontrar na Sr.ª de Villefort uma segunda mãe.» Pois as pessoas enganam-se: o meu pai abandona-me com indiferença e a minha madrasta odeia-me com um encarniçamento tanto mais terrível quanto é certo ser disfarçado por um eterno sorriso.
- Odiá-la? A si, Valentine! Como podem odiá-la?
- Infelizmente, meu amigo - respondeu Valentine -, sou forçada a confessar que esse ódio por mim provém de um sentimento quase natural. Ela adora o filho, o meu irmão Edouard.
- E então?
- Então? Talvez seja estranho meter no caso uma questão de dinheiro... No entanto, meu amigo, creio que o seu ódio provém pelo menos daí. Como ela não tem fortuna do seu lado e eu já sou rica por parte da minha mãe, e a minha fortuna será ainda mais do que duplicada pela do Sr. e da Sr.ª de Saint-Méran, que me deve caber um dia, bom... julgo que ela tem inveja. Oh, meu Deus, se lhe pudesse dar metade dessa fortuna e sentir-me junto do Sr. de Villefort como uma filha em casa do seu pai, fá-lo-ia imediatamente, pode ter a certeza!
- Pobre Valentine!
- Sim, sinto-me acorrentada e ao mesmo tempo tão fraca que me parece ser amparada por esses laços e tenho medo de os quebrar. De resto, o meu pai não é homem cujas ordens se possam infringir impunemente: usaria o seu poder contra mim, como o usaria contra si, Maximilien, e como o usaria contra o próprio rei, protegido como está por um passado inatacável e por uma posição quase intocável. Oh, Maximilien, juro-lhe que se não luto é porque receio que seja despedaçado como eu nessa luta!
- Mas, enfim, Valentine - insistiu Maximilien -, porque desesperar assim e ver o futuro sempre negro?
- Ah, meu amigo, porque o avalio pelo passado!
- Vejamos: se não sou um partido ilustre do ponto de vista aristocrático, pertenço no entanto, sob muitos aspectos, ao meio em que a Valentine vive. O tempo em que havia duas Franças em França já lá vai; as mais nobres famílias da monarquia uniram-se às famílias do Império. A aristocracia da lança desposou a nobreza do canhão. Eu pertenço a esta última. Tenho um excelente futuro no Exército e possuo uma pequena fortuna, mas independente; por último, a memória do meu pai é venerada na nossa terra como a de um dos mais honestos comerciantes que jamais existiram. Digo «nossa terra», Valentine, porque é quase de Marselha.