O Conde de Monte Cristo - Cap. 52: Toxicologia Pág. 515 / 1080

»No domingo seguinte voltei. Em vez de ter regado a sua couve com arsénico, regara-a com uma solução de sal à base de estricnina, strychnos colubrina, como dizem os sábios. Desta vez a couve não apresentava o mais pequeno sinal de doença deste mundo e por isso o coelho não desconfiou de nada. Mas cinco minutos depois estava morto. A galinha comeu o coelho e no dia seguinte morreu também. Então fizemos de abutres: apoderámo-nos da galinha e abrimo-la. Desta vez todos os sintomas particulares tinham desaparecido e só restavam os sintomas gerais. Nenhuma indicação especial em nenhum órgão; apenas excitação do sistema nervoso e vestígios de congestão cerebral, mas mais nada. A galinha não fora envenenada, morrera de apoplexia. É um caso raro entre as galinhas, bem sei, mas muito comum entre os homens.

A Sr.ª de Villefort parecia cada vez mais pensativa.

- É uma sorte - disse ela - que semelhantes substâncias só possam ser preparadas por químicos, pois de contrário metade do mundo envenenaria a outra metade.

- Por químicos ou por pessoas que se ocupem da química - respondeu negligentemente Monte-Cristo.

- E depois - disse a Sr.ª de Villefort, arrancando-se com esforço aos seus pensamentos -, por mais habilmente preparado que seja, o crime é sempre o crime, e se escapa à investigação humana, não escapa ao olhar de Deus. Os Orientais são mais fortes do que nós nos casos de consciência e suprimiram prudentemente o Inferno...

- Bom, minha senhora, isso é um escrúpulo que brota naturalmente de uma alma pura como a sua, mas que não tardará a ser extirpado pelo raciocínio. O lado mau do pensamento humano será sempre resumido por este paradoxo de Jean-Jacques Rousseau, como sabe: “O mandarim que se mata a cinco mil léguas de distância levantando a ponta do dedo.” A vida do homem passa-se a fazer tais coisas e a sua inteligência esgota-se a arquitectá-las. Encontra muito pouca gente disposta a espetar brutalmente uma faca no coração do seu semelhante ou a administrar-lhe, para o fazer desaparecer da superfície do globo, a quantidade de arsénico a que nos referíamos há pouco. Há nisso realmente uma excentricidade ou uma tolice. Para se chegar a esse ponto é necessário que o sangue aqueça a trinta e seis graus, que o pulso bata a noventa pulsações e que a alma saia dos seus limites correntes. Mas se passarmos, como se pratica em filologia, da palavra ao sinónimo atenuado, procedemos a uma simples eliminação. Em vez de cometermos um assassínio ignóbil, se afastarmos pura e simplesmente do nosso caminho aquele que nos incomoda, e isso sem choque, sem violência, sem recorrer ao aparelho dos sofrimentos que descambando em suplício, fazem da vítima um mártir e daquele que assim procede um carniceiro na pior acepção da palavra; se não houver sangue, nem berros, nem contorções, nem sobretudo essa horrível e comprometedora instantaneidade da execução, então escapamos ao gládio da lei humana, que nos diz: «Não perturbe a sociedade!»





Os capítulos deste livro

Marselha - A Chegada 1 O pai e o filho 8 Os Catalães 14 A Conspiração 23 O banquete de noivado 28 O substituto do Procurador Régio 38 O interrogatório 47 O Castelo de If 57 A festa de noivado 66 Os Cem Dias 89 O número 34 e o número 27 106 Um sábio italiano 120 A cela do abade 128 O Tesouro 143 O terceiro ataque 153 O cemitério do Castelo de If 162 A Ilha de Tiboulen 167 Os contrabandistas 178 A ilha de Monte-Cristo 185 Deslumbramento 192 O desconhecido 200 A Estalagem da Ponte do Gard 206 O relato 217 Os registos das prisões 228 Acasa Morrel 233 O 5 de Stembro 244 Itália - Simbad, o marinheiro 257 Despertar 278 Bandidos Romanos 283 Aparição 309 A Mazzolata 327 O Carnaval de Roma 340 As Catacumbas de São Sebastião 356 O encontro 369 Os convivas 375 O almoço 392 A apresentação 403 O Sr. Bertuccio 415 A Casa de Auteuil 419 A vendetta 425 A chuva de sangue 444 O crédito ilimitado 454 A parelha pigarça 464 Ideologia 474 Haydée 484 A família Morrel 488 Píramo e Tisbe 496 Toxicologia 505 Roberto, o diabo 519 A alta e a baixa 531 O major Cavalcanti 540 Andrea Cavalcanti 548 O campo de Luzerna 557 O Sr. Noirtier de Villefort 566 O testamento 573 O telégrafo 580 Meios de livrar um jardineiro dos ratos-dos-pomares que lhe comem os pêssegos 588 Os fantasmas 596 O jantar 604 O mendigo 613 Cena conjugal 620 Projetos de casamento 629 No gabinete do Procurador Régio 637 Um baile de Verão 647 As informações 653 O baile 661 O pão e o sal 668 A Sra. de Saint-Méran 672 A promessa 682 O jazigo da família Villefort 705 A ata da sessão 713 Os progressos de Cavalcanti filho 723 Haydée 732 Escrevem-nos de Janina 748 A limonada 762 A acusação 771 O quarto do padeiro reformado 776 O assalto 790 A mão de Deus 801 Beauchamp 806 A viagem 812 O julgamento 822 A provocação 834 O insulto 840 A Noite 848 O duelo 855 A mãe e o filho 865 O suicídio 871 Valentine 879 A confissão 885 O pai e a filha 895 O contrato 903 A estrada da Bélgica 912 A estalagem do sino e da garrafa 917 A lei 928 A aparição 937 Locusta 943 Valentine 948 Maximilien 953 A assinatura de Danglars 961 O Cemitério do Père-lachaise 970 A partilha 981 O covil dos leões 994 O juiz 1001 No tribunal 1009 O libelo acusatório 1014 Expiação 1021 A partida 1028 O passado 1039 Peppino 1049 A ementa de Luigi Vampa 1058 O Perdão 1064 O 5 de Outubro 1069