O Conde de Monte Cristo - Cap. 60: O telégrafo Pág. 586 / 1080

Espero-o no sábado às seis horas e se não for julgarei... sei lá... julgarei que pesa sobre aquela casa desabitada há mais de vinte anos alguma lúgubre tradição, alguma lenda sangrenta.

- Irei, Sr. Conde, irei - prometeu vivamente Villefort.

- Obrigado - disse Monte-Cristo. - Agora, permitam-me que me retire.

- De facto, já nos tinha dito que era obrigado a deixar-nos, Sr. Conde - declarou a Sr.ª de Villefort -, e até, se me não engano, ia a dizer-nos o motivo por que se retirava quando se interrompeu para passar a outra ideia.

- Na verdade, minha senhora - respondeu Monte-Cristo -, não sei se me atreva a dizer-lhe aonde vou.

- Ora, diga sempre! - Vou, como autêntico papalvo que sou, visitar uma coisa que muitas vezes me tem feito sonhar horas inteiras.

- Qual?

- Um telégrafo. Pronto, lá me descaí com a língua!

- Um telégrafo! - repetiu a Sr.ª de Villefort.

- Sim, meu Deus, um telégrafo. Às vezes vejo na extremidade de um caminho, num outeiro, debaixo de um belo sol, erguerem-se uns braços negros e dobráveis, semelhantes às patas de um enorme coleóptero, e nunca os vejo sem emoção, juro-lhe, pois julgava que esses sinais estranhos que cruzam o ar com precisão e levam a trezentas léguas de distância a vontade desconhecida de um homem sentado diante de uma mesa a outro homem sentado na extremidade da linha diante doutra mesa, se desenhavam no cinzento das nuvens ou no azul do céu apenas pela força de vontade de um chefe todo-poderoso.

Acreditava então nos génios, nos silfos, nos gnomos, nos poderes ocultos, enfim, e ria. Ora, nunca me dera na veneta ver de perto esses grandes insectos de ventre branco e patas negras e magras, porque receava encontrar-lhes debaixo das asas de pedra um geniozinho humano emproado, pretensioso, repleto de ciência, de cabala ou feiticeira. Até que uma bela manhã soube que o motor de cada telégrafo era o pobre diabo de um funcionário que ganhava mil e duzentos francos por ano para olhar durante todo o dia, não o céu, como um astrónomo, não a água, como um pescador, não a paisagem, como um cérebro oco, mas sim o insecto de ventre branco e patas negras seu correspondente, colocado a cerca de quatro ou cinco léguas de distância. Então, senti-me dominado por um desejo curioso de ver de perto essa crisálida viva e de assistir ao espectáculo que do fundo do seu casulo dá à outra crisálida, puxando uma após outra algumas pontas de corda.

- E vai lá?

- Vou.

- A que telégrafo? Ao do Ministério do Interior ou ao do Observatório?

- Oh, não! Encontraria lá pessoas que quereriam obrigar-me a compreender coisas que prefiro ignorar, e que me explicariam, malgrado meu, um mistério que não conhecem. Apre!





Os capítulos deste livro

Marselha - A Chegada 1 O pai e o filho 8 Os Catalães 14 A Conspiração 23 O banquete de noivado 28 O substituto do Procurador Régio 38 O interrogatório 47 O Castelo de If 57 A festa de noivado 66 Os Cem Dias 89 O número 34 e o número 27 106 Um sábio italiano 120 A cela do abade 128 O Tesouro 143 O terceiro ataque 153 O cemitério do Castelo de If 162 A Ilha de Tiboulen 167 Os contrabandistas 178 A ilha de Monte-Cristo 185 Deslumbramento 192 O desconhecido 200 A Estalagem da Ponte do Gard 206 O relato 217 Os registos das prisões 228 Acasa Morrel 233 O 5 de Stembro 244 Itália - Simbad, o marinheiro 257 Despertar 278 Bandidos Romanos 283 Aparição 309 A Mazzolata 327 O Carnaval de Roma 340 As Catacumbas de São Sebastião 356 O encontro 369 Os convivas 375 O almoço 392 A apresentação 403 O Sr. Bertuccio 415 A Casa de Auteuil 419 A vendetta 425 A chuva de sangue 444 O crédito ilimitado 454 A parelha pigarça 464 Ideologia 474 Haydée 484 A família Morrel 488 Píramo e Tisbe 496 Toxicologia 505 Roberto, o diabo 519 A alta e a baixa 531 O major Cavalcanti 540 Andrea Cavalcanti 548 O campo de Luzerna 557 O Sr. Noirtier de Villefort 566 O testamento 573 O telégrafo 580 Meios de livrar um jardineiro dos ratos-dos-pomares que lhe comem os pêssegos 588 Os fantasmas 596 O jantar 604 O mendigo 613 Cena conjugal 620 Projetos de casamento 629 No gabinete do Procurador Régio 637 Um baile de Verão 647 As informações 653 O baile 661 O pão e o sal 668 A Sra. de Saint-Méran 672 A promessa 682 O jazigo da família Villefort 705 A ata da sessão 713 Os progressos de Cavalcanti filho 723 Haydée 732 Escrevem-nos de Janina 748 A limonada 762 A acusação 771 O quarto do padeiro reformado 776 O assalto 790 A mão de Deus 801 Beauchamp 806 A viagem 812 O julgamento 822 A provocação 834 O insulto 840 A Noite 848 O duelo 855 A mãe e o filho 865 O suicídio 871 Valentine 879 A confissão 885 O pai e a filha 895 O contrato 903 A estrada da Bélgica 912 A estalagem do sino e da garrafa 917 A lei 928 A aparição 937 Locusta 943 Valentine 948 Maximilien 953 A assinatura de Danglars 961 O Cemitério do Père-lachaise 970 A partilha 981 O covil dos leões 994 O juiz 1001 No tribunal 1009 O libelo acusatório 1014 Expiação 1021 A partida 1028 O passado 1039 Peppino 1049 A ementa de Luigi Vampa 1058 O Perdão 1064 O 5 de Outubro 1069