O Conde de Monte Cristo - Cap. 61: Meios de livrar um jardineiro dos ratos-dos-pomares que lhe comem os pêssegos Pág. 590 / 1080

- Tranquilize-se, meu amigo - respondeu o conde com aquele sorriso que tornava à sua vontade tão terrível e tão benevolente, e que desta vez só exprimia benevolência - não sou um chefe vindo para o inspeccionar, mas sim um simples viajante levado pela curiosidade e que começa até a arrepender-se da sua visita por ver que lhe faz perder o seu tempo.

- Oh, o meu tempo não vale muito! - replicou o homenzinho, com um sorriso melancólico. - No entanto, é o tempo do Governo e não deveria perdê-lo, mas como recebi o sinal de que podia descansar uma hora... - e olhou para o relógio de sol, porque havia de tudo no recinto da torre de Montlhéry, até um relógio de sol - e como vê ainda disponho, de dez minutos... Além disso, os meus morangos estavam maduros, e mais um dia... Acha, senhor, que são os ratos que mos comem?

- Creio que não - respondeu Monte-Cristo, gravemente. - mas é má vizinhança, essa dos ratos-dos-pomares, sobretudo para nós que não os comemos barrados de mel, como faziam os Romanos.

- Ah! Os Romanos comiam-nos? - admirou-se o jardineiro. - Comiam os ratos-dos-pomares?

- Li-o em Petrónio - respondeu o conde.

- Deveras? Não devem saber bem, embora os haja bem gordos. E não admira que sejam gordos, atendendo a que dormem todo o santo dia e só acordam para roer toda a noite. Olhe, o ano passado tinha quatro adamasqueiros; atacaram-me um. E tinha também um pessegueiro, um só, desses que dão pêssegos-carecas, um fruto raro... Pois bem, senhor, devoraram-me metade dele do lado da muralha. Um pessegueiro soberbo e que dava uns pêssegos excelentes. Nunca comi outros melhores.

- Comeu-os? - perguntou Monte-Cristo.

- Quero dizer, comi a metade que restava, como deve compreender. Eram deliciosos, senhor! Claro, esses cavalheiros não escolhem os piores bocados. São como o filho da Tia Simon, que também não escolheu os piores morangos, isso sim! Mas este ano - continuou o jardineiro - pode estar tranquilo que isso não me acontecerá, nem que eu tenha, quando os frutos estiverem quase maduros, de passar a noite a guardá-los.

Monte-Cristo já vira o bastante. Cada homem tem a sua paixão que o rói no fundo do coração, assim como cada fruto tem o seu bicho. A paixão do homem do telégrafo era a pomicultura.

Pôs-se a colher as folhas da videira que ocultavam os cachos do sol e conquistou assim o coração do jardineiro.

- O senhor veio para ver o telégrafo? - perguntou o homenzinho.

- Vim, se isso não é proibido pelos regulamentos.

- De modo nenhum - respondeu o jardineiro -, atendendo a que não há nada de perigoso, pois ninguém sabe nem pode saber o que transmitimos.





Os capítulos deste livro

Marselha - A Chegada 1 O pai e o filho 8 Os Catalães 14 A Conspiração 23 O banquete de noivado 28 O substituto do Procurador Régio 38 O interrogatório 47 O Castelo de If 57 A festa de noivado 66 Os Cem Dias 89 O número 34 e o número 27 106 Um sábio italiano 120 A cela do abade 128 O Tesouro 143 O terceiro ataque 153 O cemitério do Castelo de If 162 A Ilha de Tiboulen 167 Os contrabandistas 178 A ilha de Monte-Cristo 185 Deslumbramento 192 O desconhecido 200 A Estalagem da Ponte do Gard 206 O relato 217 Os registos das prisões 228 Acasa Morrel 233 O 5 de Stembro 244 Itália - Simbad, o marinheiro 257 Despertar 278 Bandidos Romanos 283 Aparição 309 A Mazzolata 327 O Carnaval de Roma 340 As Catacumbas de São Sebastião 356 O encontro 369 Os convivas 375 O almoço 392 A apresentação 403 O Sr. Bertuccio 415 A Casa de Auteuil 419 A vendetta 425 A chuva de sangue 444 O crédito ilimitado 454 A parelha pigarça 464 Ideologia 474 Haydée 484 A família Morrel 488 Píramo e Tisbe 496 Toxicologia 505 Roberto, o diabo 519 A alta e a baixa 531 O major Cavalcanti 540 Andrea Cavalcanti 548 O campo de Luzerna 557 O Sr. Noirtier de Villefort 566 O testamento 573 O telégrafo 580 Meios de livrar um jardineiro dos ratos-dos-pomares que lhe comem os pêssegos 588 Os fantasmas 596 O jantar 604 O mendigo 613 Cena conjugal 620 Projetos de casamento 629 No gabinete do Procurador Régio 637 Um baile de Verão 647 As informações 653 O baile 661 O pão e o sal 668 A Sra. de Saint-Méran 672 A promessa 682 O jazigo da família Villefort 705 A ata da sessão 713 Os progressos de Cavalcanti filho 723 Haydée 732 Escrevem-nos de Janina 748 A limonada 762 A acusação 771 O quarto do padeiro reformado 776 O assalto 790 A mão de Deus 801 Beauchamp 806 A viagem 812 O julgamento 822 A provocação 834 O insulto 840 A Noite 848 O duelo 855 A mãe e o filho 865 O suicídio 871 Valentine 879 A confissão 885 O pai e a filha 895 O contrato 903 A estrada da Bélgica 912 A estalagem do sino e da garrafa 917 A lei 928 A aparição 937 Locusta 943 Valentine 948 Maximilien 953 A assinatura de Danglars 961 O Cemitério do Père-lachaise 970 A partilha 981 O covil dos leões 994 O juiz 1001 No tribunal 1009 O libelo acusatório 1014 Expiação 1021 A partida 1028 O passado 1039 Peppino 1049 A ementa de Luigi Vampa 1058 O Perdão 1064 O 5 de Outubro 1069