O Conde de Monte Cristo - Cap. 64: O mendigo Pág. 615 / 1080

Cobria-lhe a cabeça, de cabelos grisalhos e sujos de terra, um lenço de quadrados vermelhos e envolvia-lhe o corpo alto, magro e ossudo, cujos ossos, como os de um esqueleto, davam a sensação de tilintar ao andar, um camisolão dos mais sebosos e esburacados que se possa imaginar. Por último, a mão que se apoiou no ombro de Andrea, e que foi a primeira coisa que o rapaz viu, pareceu-lhe de uma dimensão gigantesca.

O jovem reconheceu aquela cara à claridade da lanterna do tílburi ou ficou apenas impressionado com o aspecto horrível do seu interlocutor? Não o, saberíamos dizer.

Mas o tacto é que estremeceu e recuou vivamente.

- Que me quer? - perguntou.

- Perdão, nosso burguês! - respondeu o homem, levando a mão ao lenço vermelho. - Incomodo-o, talvez, mas preciso de lhe falar.

- Não se mendiga de noite - interveio o groom, esboçando um gesto para desembaraçar o amo do importuno.

- Eu não mendigo, meu lindo menino - respondeu o homem desconhecido ao criado, com um sorriso irónico e tão horrível que o rapaz se afastou. - Desejo apenas dizer duas palavras ao seu patrão, que me encarregou de um recado há quinze dias, pouco mais ou menos.

- Vejamos, que deseja? Diga depressa, meu amigo - atalhou Andrea em tom bastante decidido para que o criado não notasse a sua atrapalhação.

- Desejaria... desejaria... - redarguiu baixinho o homem do lenço encarnado - que se dignasse poupar-me o sacrifício de regressar a Paris a pé. Estou muito cansado e, como não jantei tão bem como tu, mal me tenho nas pernas.

O jovem estremeceu perante esta estranha familiaridade.

- Mas enfim, que deseja? - insistiu.

- Desejo que me deixes subir para a tua bela carruagem e que me leves ao meu destino.

Andrea empalideceu, mas não respondeu.

- Meu Deus, sim! - insistiu o homem do lenço encarnado, metendo as mãos nas algibeiras e fitando o rapaz com olhos provocadores. - É cá uma ideia das minhas, percebes, meu querido Benedetto?...

Ao ouvir este nome, o jovem reflectiu sem dúvida, pois aproximou-se do groom e disse-lhe:

- Este homem foi efectivamente encarregado por mim de um recado de que me vem dar conta. Vai a pé até à barreira e toma lá um cabriolé a fim de não chegares atrasado.

O criado afastou-se, surpreendido.

- Deixe-me ao menos chegar ao escuro - pediu Andrea.

- Oh, quanto a isso, eu mesmo vou levar-te para um excelente lugar! Espera aí - disse o homem do lenço vermelho.

E pegando no cavalo pelo freio conduziu o tílburi para um sítio onde era efectivamente impossível a quem quer que fosse ver a honra que lhe concedia Andrea.





Os capítulos deste livro

Marselha - A Chegada 1 O pai e o filho 8 Os Catalães 14 A Conspiração 23 O banquete de noivado 28 O substituto do Procurador Régio 38 O interrogatório 47 O Castelo de If 57 A festa de noivado 66 Os Cem Dias 89 O número 34 e o número 27 106 Um sábio italiano 120 A cela do abade 128 O Tesouro 143 O terceiro ataque 153 O cemitério do Castelo de If 162 A Ilha de Tiboulen 167 Os contrabandistas 178 A ilha de Monte-Cristo 185 Deslumbramento 192 O desconhecido 200 A Estalagem da Ponte do Gard 206 O relato 217 Os registos das prisões 228 Acasa Morrel 233 O 5 de Stembro 244 Itália - Simbad, o marinheiro 257 Despertar 278 Bandidos Romanos 283 Aparição 309 A Mazzolata 327 O Carnaval de Roma 340 As Catacumbas de São Sebastião 356 O encontro 369 Os convivas 375 O almoço 392 A apresentação 403 O Sr. Bertuccio 415 A Casa de Auteuil 419 A vendetta 425 A chuva de sangue 444 O crédito ilimitado 454 A parelha pigarça 464 Ideologia 474 Haydée 484 A família Morrel 488 Píramo e Tisbe 496 Toxicologia 505 Roberto, o diabo 519 A alta e a baixa 531 O major Cavalcanti 540 Andrea Cavalcanti 548 O campo de Luzerna 557 O Sr. Noirtier de Villefort 566 O testamento 573 O telégrafo 580 Meios de livrar um jardineiro dos ratos-dos-pomares que lhe comem os pêssegos 588 Os fantasmas 596 O jantar 604 O mendigo 613 Cena conjugal 620 Projetos de casamento 629 No gabinete do Procurador Régio 637 Um baile de Verão 647 As informações 653 O baile 661 O pão e o sal 668 A Sra. de Saint-Méran 672 A promessa 682 O jazigo da família Villefort 705 A ata da sessão 713 Os progressos de Cavalcanti filho 723 Haydée 732 Escrevem-nos de Janina 748 A limonada 762 A acusação 771 O quarto do padeiro reformado 776 O assalto 790 A mão de Deus 801 Beauchamp 806 A viagem 812 O julgamento 822 A provocação 834 O insulto 840 A Noite 848 O duelo 855 A mãe e o filho 865 O suicídio 871 Valentine 879 A confissão 885 O pai e a filha 895 O contrato 903 A estrada da Bélgica 912 A estalagem do sino e da garrafa 917 A lei 928 A aparição 937 Locusta 943 Valentine 948 Maximilien 953 A assinatura de Danglars 961 O Cemitério do Père-lachaise 970 A partilha 981 O covil dos leões 994 O juiz 1001 No tribunal 1009 O libelo acusatório 1014 Expiação 1021 A partida 1028 O passado 1039 Peppino 1049 A ementa de Luigi Vampa 1058 O Perdão 1064 O 5 de Outubro 1069