O Conde de Monte Cristo - Cap. 82: O assalto Pág. 794 / 1080

O visitante nocturno, ignorando que o conde tomara o cuidado de retirar as escápulas, podia dali em diante julgar-se em segurança e agir com toda a tranquilidade.

Sozinho e com todos os movimentos livres, o homem tirou então de uma ampla algibeira qualquer coisa que o conde não conseguiu distinguir, pousou essa qualquer coisa em cima da mesinha de centro e depois foi direito à secretária, apalpou o sítio da fechadura e verificou que, contra a sua expectativa, a chave não estava lá.

Mas o cortador de vidros era homem precavido e previra tudo. O conde não tardou a ouvir o toque de ferro contra ferro que produz, quando o agitam, um molho de chaves toscas, dessas que trazem os serralheiros quando os mandam chamar para abrir uma porta e às quais os ladrões chamam «rouxinóis», sem dúvida devido ao prazer que sentem ao ouvir o seu «canto» nocturno quando rangem na fechadura.

- Ah, ah! - murmurou Monte-Cristo, com um sorriso decepcionado. - É apenas um ladrão.

Mas o homem, no escuro, não podia escolher o instrumento conveniente. Recorreu então ao objecto que deixara em cima da mesinha de centro. Fez funcionar um mecanismo e imediatamente uma luz pálida, mas suficientemente viva para que se pudesse ver, envolveu no seu reflexo dourado as mãos e a cara do homem.

- Olha, é... - disse de súbito Monte-Cristo, recuando com expressão de surpresa.

Ali levantou o machado.

- Não te mexas - disse-lhe Monte-Cristo em voz baixa - e deixa lá o machado; não precisamos de armas aqui.

Depois acrescentou algumas palavras baixando ainda mais a voz, porque a exclamação, por mais fraca que fosse, que a surpresa arrancara ao conde, bastara para fazer estremecer o homem, que ficara na atitude do amolador antigo. Era uma ordem que o conde acabava de dar, pois Ali afastou-se imediatamente em bicos de pés e tirou da parede da alcova uma vestimenta preta e um chapéu triangular. Entretanto, Monte-Cristo despia rapidamente a sobrecasaca, o colete e a camisa. Graças ao raio de luz que se infiltrava pela fresta do painel, poder-se-ia reconhecer no peito do conde uma dessas flexíveis e finas cotas de malha de aço doutros tempos, a última das quais, numa França onde já se não temiam os punhais, fora talvez usada pelo rei Luís XVI, que receava ser ferido no peito à navalha e acabara por ser decapitado pela guilhotina.

Aquela túnica não tardou a desaparecer debaixo de uma comprida sotaina, tal como os cabelos do conde debaixo de uma peruca tonsurada. O chapéu triangular, colocado por cima da peruca, acabou de transformar o conde em abade.





Os capítulos deste livro

Marselha - A Chegada 1 O pai e o filho 8 Os Catalães 14 A Conspiração 23 O banquete de noivado 28 O substituto do Procurador Régio 38 O interrogatório 47 O Castelo de If 57 A festa de noivado 66 Os Cem Dias 89 O número 34 e o número 27 106 Um sábio italiano 120 A cela do abade 128 O Tesouro 143 O terceiro ataque 153 O cemitério do Castelo de If 162 A Ilha de Tiboulen 167 Os contrabandistas 178 A ilha de Monte-Cristo 185 Deslumbramento 192 O desconhecido 200 A Estalagem da Ponte do Gard 206 O relato 217 Os registos das prisões 228 Acasa Morrel 233 O 5 de Stembro 244 Itália - Simbad, o marinheiro 257 Despertar 278 Bandidos Romanos 283 Aparição 309 A Mazzolata 327 O Carnaval de Roma 340 As Catacumbas de São Sebastião 356 O encontro 369 Os convivas 375 O almoço 392 A apresentação 403 O Sr. Bertuccio 415 A Casa de Auteuil 419 A vendetta 425 A chuva de sangue 444 O crédito ilimitado 454 A parelha pigarça 464 Ideologia 474 Haydée 484 A família Morrel 488 Píramo e Tisbe 496 Toxicologia 505 Roberto, o diabo 519 A alta e a baixa 531 O major Cavalcanti 540 Andrea Cavalcanti 548 O campo de Luzerna 557 O Sr. Noirtier de Villefort 566 O testamento 573 O telégrafo 580 Meios de livrar um jardineiro dos ratos-dos-pomares que lhe comem os pêssegos 588 Os fantasmas 596 O jantar 604 O mendigo 613 Cena conjugal 620 Projetos de casamento 629 No gabinete do Procurador Régio 637 Um baile de Verão 647 As informações 653 O baile 661 O pão e o sal 668 A Sra. de Saint-Méran 672 A promessa 682 O jazigo da família Villefort 705 A ata da sessão 713 Os progressos de Cavalcanti filho 723 Haydée 732 Escrevem-nos de Janina 748 A limonada 762 A acusação 771 O quarto do padeiro reformado 776 O assalto 790 A mão de Deus 801 Beauchamp 806 A viagem 812 O julgamento 822 A provocação 834 O insulto 840 A Noite 848 O duelo 855 A mãe e o filho 865 O suicídio 871 Valentine 879 A confissão 885 O pai e a filha 895 O contrato 903 A estrada da Bélgica 912 A estalagem do sino e da garrafa 917 A lei 928 A aparição 937 Locusta 943 Valentine 948 Maximilien 953 A assinatura de Danglars 961 O Cemitério do Père-lachaise 970 A partilha 981 O covil dos leões 994 O juiz 1001 No tribunal 1009 O libelo acusatório 1014 Expiação 1021 A partida 1028 O passado 1039 Peppino 1049 A ementa de Luigi Vampa 1058 O Perdão 1064 O 5 de Outubro 1069