O Conde de Monte Cristo - Cap. 101: Locusta Pág. 943 / 1080

Capítulo CI – Locusta

Valentine ficou sozinha. Mais dois relógios, atrasados em relação ao de Saint-Philippe du Roule, deram ainda a meia-noite a distâncias diferentes.

Depois, exceptuando o ruído de algumas carruagens distantes, tudo recaiu no silêncio.

Então, toda a atenção de Valentine se concentrou no relógio do quarto, cujo pêndulo mareava os segundos.

Pôs-se a contar esses segundos e notou que eram duas vezes mais lentos do que as pulsações do seu coração. E no entanto ainda duvidava. A inofensiva Valentine não podia conceber que alguém desejasse a sua morte. Porquê? Com que fim? Que mal fizera que lhe tivesse suscitado um inimigo?

Não havia receio de que adormecesse.

Uma única ideia, uma ideia terrível, ocupava o seu espírito tenso: a de que existia uma pessoa no mundo que tentara assassiná-la e que o ia tentar novamente.

Desta vez essa pessoa, cansada de ver a ineficácia do veneno, ia, como lhe dissera Monte-Cristo, recorrer ao ferro! Se o conde não tivesse tempo de lhe acudir... Se tivesse chegado o seu último momento... Se nunca mais tornasse a ver Morrel...

Perante semelhantes pensamentos, que a cobriam ao mesmo tempo de uma palidez lívida e de um suor gelado, Valentine estava prestes a pegar no cordão da campainha e a pedir socorro.

Mas parecia-lhe ver cintilar, através da porta da estante, o olhar do conde, esse olhar que pesava na sua memória e que, quando pensava nele, a dominava tal vergonha que perguntava a si mesma se alguma vez o reconhecimento conseguiria apagar o penoso efeito da indiscreta amizade do conde.

Vinte minutos, vinte eternidades, passaram-se assim, e depois mais dez. Por fim o relógio rangeu com um segundo de antecedência e acabou por martelar uma vez o timbre sonoro.

Nesse preciso momento um ruído de unhas quase imperceptível na madeira da estante avisou Valentine de que o conde velava e lhe recomendava que estivesse atenta.

Com efeito, do lado oposto, isto é, para as bandas do quarto de Édouard, pareceu a Valentine ouvir ranger o parqué. Apurou o ouvido e conteve a respiração até quase sufocar. O puxador da porta rangeu e esta girou nos gonzos.

Valentine, que estava soerguida num cotovelo, só teve tempo de se deixar cair na cama e de esconder os olhos debaixo do braço.

Depois, trémula, agitada, com o coração apertado por indizível terror, esperou.

Alguém se aproximou da cama e aflorou os cortinados.

Valentine reuniu todas as suas forças e deixou ouvir o murmúrio regular da respiração que anuncia um sono tranquilo.

- Valentine! - chamou baixinho uma voz.





Os capítulos deste livro

Marselha - A Chegada 1 O pai e o filho 8 Os Catalães 14 A Conspiração 23 O banquete de noivado 28 O substituto do Procurador Régio 38 O interrogatório 47 O Castelo de If 57 A festa de noivado 66 Os Cem Dias 89 O número 34 e o número 27 106 Um sábio italiano 120 A cela do abade 128 O Tesouro 143 O terceiro ataque 153 O cemitério do Castelo de If 162 A Ilha de Tiboulen 167 Os contrabandistas 178 A ilha de Monte-Cristo 185 Deslumbramento 192 O desconhecido 200 A Estalagem da Ponte do Gard 206 O relato 217 Os registos das prisões 228 Acasa Morrel 233 O 5 de Stembro 244 Itália - Simbad, o marinheiro 257 Despertar 278 Bandidos Romanos 283 Aparição 309 A Mazzolata 327 O Carnaval de Roma 340 As Catacumbas de São Sebastião 356 O encontro 369 Os convivas 375 O almoço 392 A apresentação 403 O Sr. Bertuccio 415 A Casa de Auteuil 419 A vendetta 425 A chuva de sangue 444 O crédito ilimitado 454 A parelha pigarça 464 Ideologia 474 Haydée 484 A família Morrel 488 Píramo e Tisbe 496 Toxicologia 505 Roberto, o diabo 519 A alta e a baixa 531 O major Cavalcanti 540 Andrea Cavalcanti 548 O campo de Luzerna 557 O Sr. Noirtier de Villefort 566 O testamento 573 O telégrafo 580 Meios de livrar um jardineiro dos ratos-dos-pomares que lhe comem os pêssegos 588 Os fantasmas 596 O jantar 604 O mendigo 613 Cena conjugal 620 Projetos de casamento 629 No gabinete do Procurador Régio 637 Um baile de Verão 647 As informações 653 O baile 661 O pão e o sal 668 A Sra. de Saint-Méran 672 A promessa 682 O jazigo da família Villefort 705 A ata da sessão 713 Os progressos de Cavalcanti filho 723 Haydée 732 Escrevem-nos de Janina 748 A limonada 762 A acusação 771 O quarto do padeiro reformado 776 O assalto 790 A mão de Deus 801 Beauchamp 806 A viagem 812 O julgamento 822 A provocação 834 O insulto 840 A Noite 848 O duelo 855 A mãe e o filho 865 O suicídio 871 Valentine 879 A confissão 885 O pai e a filha 895 O contrato 903 A estrada da Bélgica 912 A estalagem do sino e da garrafa 917 A lei 928 A aparição 937 Locusta 943 Valentine 948 Maximilien 953 A assinatura de Danglars 961 O Cemitério do Père-lachaise 970 A partilha 981 O covil dos leões 994 O juiz 1001 No tribunal 1009 O libelo acusatório 1014 Expiação 1021 A partida 1028 O passado 1039 Peppino 1049 A ementa de Luigi Vampa 1058 O Perdão 1064 O 5 de Outubro 1069