A Queda de um Anjo - Cap. 22: Capítulo 22 Pág. 118 / 207

Era por uma noite escura e fria de Abril.

O vento esfusiava nas ramalheiras de Campolide.

A lua, a longas intermitências, parecia, wagon dos céus, correr velocíssima entre nuvens pardas, para ir engolfar-se noutras.

Então era o carregar-se a escuridão da terra, e mais para pavores o rangido das árvores sacudidas pelos bulcões do setentrião.

Soaram doze horas por igrejas daqueles vales. Era um como crebo soluçar da natureza por pulmões de bronze. Era o grão clamor da terra em angústias parturientes de alguma enorme calamidade.

Àquela hora, e por aquela noite capeadora de assassinos e bestas-feras, Calisto Elói, embrulhado num capote de três cabeções e mangas, que trouxera de Caçarelhos, passava rente com o muramento da quinta de Adelaide.

Depois, como saísse da vereda escura a um ressio que defrontava com a frontaria da casa, aqui parou, e, cruzando os braços, se esteve largo espaço quedo, e fito nas janelas.

Nem lua nem cintila de estrelas no céu! As confidentes daquele amador torvo como o cerrado da noite, negro como o coração que lhe arfa a lapela esquerda do colete, são as trevas.

Quis acender um charuto.

Nem os fósforos vingaram lampejar na escuridão.

E o vento assobiava no vigamento da casa, e nas orelhas de Calisto, o qual, levado do instinto da conservação, levantou a gola do capote à altura das bossas parietais, e disse, como Carlos VI:

— Tenho frio!

E passou-lhe então pelo espírito um painel da sua situação tirado pelo natural. Viu-se no espelho que a razão lhe ofereceu, e cobrou horror da sua figura.





Os capítulos deste livro