A Queda de um Anjo - Cap. 28: Capítulo 28 Pág. 158 / 207

Brás montou os óculos de cobre, e leu:

«Prima Teodora. Cessa de ter cuidado com a minha saúde: eu passo sofrivelmente. Não me pude ainda desembaraçar dos negócios do Estado, que me não deixam tomar fôlego. À vista te contarei o que tenho feito a favor da Nação. Tem tu saúde, e descansa da vida trabalhosa que tens. Há-de ir aí um sujeito de Bragança para lhe entregares oitocentos mil réis. Vende o grão todo que houver, e dize aos lavradores que por lá têm dinheiro a juro que eu preciso recolher essas quantias para negócio de mais interesse. Teu primo e afectuoso marido Calisto.»

— Aí tem vossemecê! — continuou a esposa atribulada, com os braços em cruz e as mãos nos sovacos. — O dinheiro, que há sete meses tem saído desta casa, é um louvar a Deus! Ainda o dinheiro vá que o leve a breca! mas andar-me por lá o marido, o meu homem, que dantes, se ficava uma noite fora de casa, era lá uma vez de ano a ano, e dizia ele que não estava bem senão à beira de sua mulher!… Que me diz a isto, Sr. Brás? Então vossemecê é de parecer que ele está por lá embeiçado? Pois o meu Calisto seria capaz disso?!

— Olhe, fidalga, — respondeu o professor de instrução primária fazendo com os beiços um bico e logo um arco, trejeitos meditabundos com que ele usava solenizar os dizeres graves — um homem cá nas aldeias é uma coisa, e nas cidades é outra. Eu corri mundo, e sei o que fui. As mulheres das cidades têm umas artes e manhas, que, se um homem se não precata, às duas por três, não sabe de que freguesia é. Ainda que a gente não queira, aqueles demónios tais esparrelas armam, que não há remédio senão cair em fragilidades próprias da frágil natureza humana, como o outro que diz.





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