A Queda de um Anjo - Cap. 35: Capítulo 35 Pág. 193 / 207

Para leitores entendidos na maldade humana, a carta de Lopo de Gamboa é uma refinada e suja bargantaria, estudada e escrita com um despejo não vulgar em bacharéis daqueles sítios. Aquele homem, se tivesse nascido em terras onde floresce a centralização dos biltres, morria com um nome para lembrança duradoura. Assim, nascido naquelas serras, onde não apegou ainda romancista de medrança, se o eu não transplantar para a corja dos birbantes das minhas novelas, o homem escorrega lá da serra no inferno, sem que a pública execração o cubra de maldições.

Repulso do coração da prima, que incessantemente se estava entregando à protecção dos santos, mudou o plano das insídias, incitando-a a procurar o marido em Lisboa, como último desengano e final afronta. Convinha-lhe que a pobre mulher afogasse em lágrimas as últimas e mais entranhadas raízes da sua pureza.

Em companhia de um velho inexperiente e crédulo, o honrado Paulo de Figueiroa, que nunca saíra das ruínas solarengas de Travanca, meteu-se D. Teodora ao caminho de Lisboa. Deu um jeito às abas do chapéu que se entortara na canastra esquecida, lavou as fias e a palha com chá da Índia, arejou o bafio do vestido de veludo que embolorecera no Inverno passado, e deste jeito entrajada se encaixotou na liteira, defronte do tio, que tinha a sinceridade de achar sua sobrinha muito bonita, vestida assim à moderna.

Nas diferentes vilas que atravessou até ao Porto, D. Teodora prendeu o espanto público. Muita gente, aliás urbana, ria-se a cair.





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