A Queda de um Anjo - Cap. 15: Capítulo 15 Pág. 80 / 207

E aqui está que Calisto Elói — ia-me esquecendo dizê-lo — também sentiu a queda da espinhela, sensação esquisita de vácuo e despego, que a gente experimenta, uma polegada e três linhas acima do estômago, quando o amor ou o susto nos leva de assalto repentinamente.

Sem embargo da concomitância de tantas enfermidades, Calisto de Barbuda embaralhou as cartas, passou-as à esquerda, e jogou a primeira partida com tamanha incúria e desacerto, que Adelaide, no acto do pagamento da aposta, observou ao parceiro que era preciso administrar com mais zelo o dote da sua amiga. E ajuntou:

— V. Exa. esteve a compor algum belo discurso para a Câmara…

O morgado cacarejou um sorriso, e mais nada. Prosseguiu o jogo. Calisto deu provas de supina bestidade em quatro partidas de sueca. Adelaide, dissimulando a má sombra do fastio com que estava jogando, aturou até ao fim a partida, com grande desfalque do seu pecúlio.

Tinha-se feito uma atmosfera nova em redor dos pulmões de Calisto. A loquacidade, embrechada de sentenças e latinismos, com que ele costumava aligeirar as palestras dos eruditos amigos do desembargador desamparou-o naquela noite. Isto causou estranheza e cuidados ao amorável Sarmento, que prezava Calisto como a filho.

A partida acabou taciturna e triste.

Fechado em seu gabinete de estudo, o morgado da Agra sentou-se à banca, apanhou entre dois dedos o beiço superior, e esteve assim meditabundo largo espaço. Depois, ergueu-se para dar largas ao coração que pulava, e andou passeando com desusada agilidade e aprumo de corpo.





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