Os Brilhantes do Brasileiro - Cap. 25: XXV - O Cego Pág. 141 / 174

XXV - O Cego

Os olhos do general Noronha cegaram inteiramente. Os especialistas de Paris tinham capitulado de catarata negra a próxima cegueira, muito semelhante nos sintomas à gota serena.

Declinava para os setenta anos o inconsolável cego. Queria voltar a Paris, esperançado na operação; mas escasseavam-lhe forças. A velhice deste homem disciplinado por pesares de toda a espécie, deste o terrível só até ao excruciar do remorso, causava a um tempo compaixão e medo. A caquexia lenta mirrara-o até lhe secar a pele sobre a aridez dos ossos; e os glóbulos dos olhos guinavam pardacentos nas órbitas descarnadas à procura dum raio de luz.

Os parentes e amigos que ele havia repelido não o procuravam nos derradeiros anos, porque sabiam que o testamento estava feito. Os legatários, entregues à sáfara da sua lavoura, nem sequer averiguavam se o senhor do Paço de Gondar era morto ou vivo. Ninguém portanto o visitava. O velho cheirava a cadáver, e o lastimar-se dum cego exasperado afugentaria até a comiseração dos herdeiros.

O mordomo, João Pedro, é que, dia e noite, lhe dava o braço ou vigiava o ansiado dormitar. Chorava, quando o via de súbito parar, voltados para o céu os olhos, e clamar: “Meu Deus, meu Deus, dai-me a minha vista, ou matai-me!”

E, em uma dessas apóstrofes à Providência divina, que lhe visitara alfim a escuríssima cegueira de alma e corpo, João Pedro disse:

- Fidalgo, vossa excelência, se quer que Deus o escute, siga a lei cristã: tenha pena de sua filha, perdoe-lhe pelo divino amor de Deus. Pode ser que depois a misericórdia de Jesus Cristo se compadeça de vossa excelência.

- E quem te disse a ti que ela era minha filha? - repetiu o cego a pergunta feita um ano antes.

- Disse-mo vossa excelência, quando ela o visitava; muitas vezes me escreveu lá para o Paço: “Manda-me boa fruta que tenho cá minha filha”.





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