- É pena - lastimou o cavalheiro - que vossa excelência, em anos tão carecidos dos afagos de família, se veja sozinho, e forçado a escutar-se incessantemente em suas tristezas...
- Efeitos da péssima mocidade - disse laconicamente o velho.
- E não lhe restam parentes estimados que substituíssem a falta de filhos?...
- Não, senhor.
A concisão das respostas reduziu a silêncio o interlocutor.
- Quer então vossa excelência que partamos amanhã para as Boticas?
- Se eu não tive piorado desta frouxidão que dificilmente me deixa ir duma cadeira para outra, muito me obsequiará vossa excelência acompanhando-me. Se o doutor entender que é praticável a operação, eu mandarei ir o meu escudeiro e mais criados.
- Vossa excelência tem os meus criados e a mim com eles.
- Obrigadíssimo à sua bondade: deixe-me abraçá-lo, que há muitos anos não senti alguém nos meus braços. Parece-me que ainda é novo...
- Não, senhor. Tenho quarenta anos.
- Eu já era decrépito nessa idade. Aos vinte e seis anos embranqueceram-me os cabelos, e aos trinta caíram-me. Quando voltei a Portugal, depois dum exílio de treze anos, os meus criados perguntaram-me quem eu procurava.
- E já então não encontrou pessoa alguma de família?
- Que eu prezasse... não. Tinha irmãs, que nunca estimei, nem me estimaram. Tinha uma filha...
- Morreu?
- Morreu.
O conde de Gondar apertou as mãos do homem, que prezava, porque sabia que lhe via as lágrimas; e murmurou:
- Vê? Estes olhos não tem luz, tem o sangue do coração. Olhe que eu sou o mais castigado e desgraçado homem que nasceu debaixo do Sol.