A sepultura repele-me há cinquenta anos, porque eu morri então. Morri então, senhor...
E estreitava convulsamente ao seio as duas mãos do cavalheiro.
- Está bom... - prosseguiu ele com satisfação. - Estou melhor... desafoguei... Sinto-me tão bem!...
Quem pudera chorar uma hora em cada doze de tonturas...
- Já vê vossa excelência quanto lhe seria consoladora uma família... Foi fatal o perdimento de sua filha.
- E vossa excelência sabe que a perdi?
- Sei por ter tido a honra de o ouvir há pouco dizer ao senhor conde..
- Ah! Fui eu?...
- Sim; disse-me vossa excelência que sua filha tinha morrido.
- Viva ou morta... morreu. Nunca ouviu falar dela?
- Não, senhor.
- Esqueceram-na todos! Ninguém aqui em Ponte... nem os Abreus lhe falaram dela?
- Não, senhor conde.
- É porque ela empobreceu... é porque eu a repeli... Desprezaram-na todos, e não curaram de saber se eu tinha razão, ou se ela tinha infâmias para ser desprezada... E por isso... morreu!
O flaviense não formava da intelectualidade do conde um juízo satisfatório para uma certidão de sanidade. Não acabava de entender se a filha do conde era viva ou morta; nem ousava protrair indagações irritantes da torvação mental do velho.
Calou-se, aproveitou o ensejo oportuno de despedir-se, e foi indagar o mistério de tal filha.
Os informadores disseram-lhe concordemente que em verdade o conde tivera na sua mocidade uma filha natural de uma célebre fidalga do seu tempo; mas que essa menina se havia perdido em libertinagens como sua mãe.
O cavalheiro entendeu então o que era morrer, e condoeu-se profundamente do pai da perdida.