- Estava lá dentro...
- E não esteve aqui enquanto me operaram? Não a senti...
- Estava pedindo a Deus por vossa excelência.
- É um anjo, minha querida senhora! Esta casa... toda ela é um santuário... Olhe que vi seu marido. Já o conheço. Tem um belo aspecto! É trigueiro e muito barbado, não é?
- É, sim, senhor conde.
- Sua cunhada não a divisei bem; mas pareceu-me banca e magra, não é?
- É, sem dúvida.
- A criada conheci que era velha; mas estava encoberta pela Sr.ª D. Joana...
- As velhinhas escondem-se - ocorreu a jovial Vitorina. - é o que faltava aparecer uma velha carcomida logo de pancada a um senhor que não via criatura viva há dois anos?
- Pois quero e desejo vê-la, e muitas vezes, Sr.ª Vitorina. Tem-me tratado com muito amor. Já tive outra criada com o seu nome. Onde isso vai! Há bons trinta e dois anos que a não vejo!...
- Já deve ser da minha idade, então... - observou a velha, trejeitando para as damas.
- Sim, se vossemecê anda pelos setenta...
- Setenta! Deus nos acuda!... Pois eu tenho lá setenta anos!
- Então quantos tem vossemecê?
- Fiz sessenta e nove há seis meses.
- Ah! Então recolho o meu juízo! - casquinou o conde. - Está vossemecê muito nova, Sr.ª Vitorina. Cuidado com as ilusões da mocidade, menina!
Riam as senhoras, e Vitorina continuou a provocar as jocosidades do conde, que eram ouvidas com admiração, mormente pela filha, que, nos raros dias de convivência com seu pai, o não vira sorrir uma vez só.
Quando, ao cair da tarde, se anunciou a chegada de João Pedro, saiu a encontrá-lo no quinteiro Ângela.
O velho embasbacou, e encostou-se à mula, de que desmontara, porque as pernas lhe faltavam.
A filha do conde de Gondar em poucas palavras elucidou-o sobre o que lhe convinha fazer para que a cura de seu pai não fosse perturbada por alvoroços de espírito ou nevralgias que lhe irritassem os olhos.