Passaram dois anos, e somos chegados ao de 1840.
Alteração notável no viver de Francisco José da Costa não há nenhuma. É ainda amanuense de tabelião. Joana continua a trabalhar para as modistas; mas, cansada e doente, rende-lhe pouquíssimo o louvor.
O viver de Ângela é mais angustiado. Vitorina já vendeu tudo que valia dinheiro. A ama não tem que vender, porque sua tia Beatriz negou-lhe algumas jóias que o pai lhe havia dado, sem impedimento de terem sido de D. Maria d’Antas. Os escrúpulos de beata não iam ao extremo de repulsarem os braceletes e correntes da pecadora.
Vitorina já aceita as esmolas de Rita de Barrosas, e as liberalidade de outras senhoras que delicadamente favorecem a sobrinha de Cassilda de Noronha - freira opulenta, como depositária e herdeira in mente dum dom abade de beneditinos, rolado ao inferno por intermédio duma hidropisia.
Ângela ignorou algum tempo a sua deplorável dependência. Era, contudo, forçoso adivinhá-la, e inferi-la das tristezas da criada. Animou-se para entrar ao fundo da sua miséria, e soube que estava indigente.
Vencida pela desesperação, escreveu ao pai, invocando a memória de sua mãe. Péssimo expediente! Vitorina quis dissuadi-la da invocação; mas era-lhe doloroso, tendo de explicar a inconveniência, contar a uma filha a desastrada morte de Maria d’Antas. A carta foi; mas a resposta não veio.
Pensava Ângela sem sair do mosteiro e ir ajoelhar-se diante do pai. Constou o intento. A prelada, com boas palavras, lhe desfez o plano, dizendo-lhe que só poderia sair com ordem de sua tia ou do Sr. arcebispo de Braga.
- Mas minha tia ou o Sr. arcebispo não me deixarão morrer à necessidade? - perguntou Ângela debulhada em lágrimas.
A prelada, comovida, respondeu:
- A menina não há de morrer à necessidade.