O Mistério da Estrada de Sintra - Cap. 38: CAPÍTULO V Pág. 211 / 245

Sentei-me ao piano acordando, a fugir, o teclado. Assim via bem Ritmel. A luz envolvia-o. Estava mais pálido, o seu rosto apresentava linhas mais graves. A testa tinha perdido a sua pureza: havia uma ruga estreita e funda que a dominava.

Fradique continuava falando. Agora fazia a crítica das mulheres do Norte.

- A irlandesa, dizia ele, tem mais que nenhuma mulher, a graça… Sobre tudo a que vive junto dos lagos! A melhor religião, a melhor moral, a melhor ciência para um espirito feminino - é um lago. Aquela água imóvel, azul, pálida, fria, pacifica, dá um extremo repouso à alma, uma necessidade de coisas justas, um hábito de recolhimento e de pensamento, um amor da modéstia e das coisas íntimas, o segredo de ser infinito, sendo monótono, e a ciência de perdoar… Exijo na mulher com quem casar, que tenha as unhas rosadas e polidas, e um ano de convivência com um lago!

Eu vi Ritmel corar de leve e torcer nervosamente o bigode.

Pelo lucido instinto da paixão, compreendi que entre aquela glorificação dos lagos, e os ocultos pensamentos de Ritmel, havia uma afinidade. Lembrou-me a revista de Longchamps, os louros cabelos irlandeses de miss Shorn, e voltando-me para Carlos Fradique:

- Meu caro amigo, um pouco do seu violoncelo, sim?

A sala abria sobre os jardins. A plácida respiração do vento fazia arfar as cortinas. Carlos Fradique começou a tocar uma balada das margens do mar do norte, de um encanto singularmente triste. Sentia-se o chorar das águas, o feérico correr das ondas, o compassado bater dos remos de um pirata norvegio, a fria lua. Eu tinha ido com Ritmel para junto da varanda, e enquanto a pequena melodia soava nas cordas do violoncelo, lembravam-me as antigas coisas do meu amor, o Ceilão, as noites silenciosas





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